terça-feira, 26 de maio de 2015

O particular na mira da Lei de Improbidade


O Brasil sempre foi palco de escândalos envolvendo atores que fizeram mau uso de dinheiro público e até mesmo enriqueceram de forma ilícita. Mais do que em qualquer outro momento da história do país, o assunto improbidade administrativa está em evidência. E os personagens desse espetáculo de ilegalidades nem sempre são agentes públicos. Por isso mesmo que a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) responsabiliza também o particular que induza ou concorra para a prática do ato ilícito ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta.

Apesar disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem considerado que, embora o particular esteja sujeito às penalidades da Lei 8.429/92, não pode responder em ação de improbidade sem que haja a participação de um agente público no polo passivo da demanda (REsp 1.155.992 e REsp 1.171.017).

“Não havendo participação do agente público, há que ser afastada a incidência da Lei 8.429, estando o terceiro sujeito a sanções previstas em outras disposições legais”, explicou a ministra Eliana Calmon, já aposentada (REsp 931.135).

Esse foi o entendimento adotado pela Primeira Turma na última quinta-feira (21) ao julgar recurso contra o diretor Guilherme Fontes e sua produtora, que receberam R$ 51 milhões por meio da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual para produção do filme “Chatô – O Rei do Brasil”, baseado na obra de Fernando Morais sobre a vida de Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados. Somente agora, cerca de 20 anos depois, o trailer do filme foi divulgado.

A maioria dos ministros considerou que, embora os réus tenham supostamente cometido irregularidades na utilização da verba pública, não se encaixam no conceito de agente público para fins de aplicação da LIA.

Conceito

O Ministério Público Federal ajuizou ação de improbidade contra a produtora, o diretor e sua sócia pela não apresentação do filme no formato pactuado e por irregularidade da prestação de contas referente aos valores recebidos. As instâncias ordinárias consideraram que a produção do filme por particular, ainda que com ajuda financeira pública, não pode ser interpretada como serviço realizado mediante delegação contratual ou legal do poder público.

No recurso especial, o MPF combateu o acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região citando precedente (REsp 1.138.523) da Segunda Turma do STJ em que os agentes que praticaram as condutas ilícitas também eram particulares.

No julgamento paradigma, os ministros discutiram o conceito de agente público para aplicação da LIA. Para a relatora, ministra Eliana Calmon, “o alcance conferido pelo legislador quanto à expressão ‘agente público’ possui expressivo elastéreo, o que faz com que os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa não sejam apenas os servidores públicos, mas, também, quaisquer outras pessoas que estejam de algum modo vinculadas ao poder público”.

Com base nesse entendimento, o MPF defendeu que o artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.429 – segundo o qual estão sujeitos às penalidades da lei os atos praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público – poderia ser aplicado ao caso do diretor Guilherme Fontes.

Divergência

Na primeira sessão de julgamento, em abril deste ano, a relatora, desembargadora convocada Marga Tessler, manifestou-se de forma favorável ao MPF. Ela afirmou que a produtora e os sócios, embora particulares, poderiam ser abarcados no conceito de agente público e, consequentemente, responder por improbidade administrativa.

A ministra Regina Helena Costa manifestou entendimento contrário e negou provimento ao recurso. Para ela, somente pode ser considerado agente público quem, por qualquer vínculo, presta serviço público. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Benedito Gonçalves.

Retomado o julgamento, ele acompanhou a divergência. Considerou não ser possível alargar o conceito de agente público previsto da LIA para abarcar particulares que não estejam no exercício de função estatal, sob qualquer forma de investidura ou vínculo. Os ministros Sérgio Kukina e Napoleão Nunes Maia Filho também acompanharam a divergência.

Ações do terceiro

Em Improbidade Administrativa, Emerson Garcia e Rogério Pacheco esclarecem que a ação de terceiro pode se desenvolver em três ocasiões distintas: “O terceiro desperta no agente público interesse em praticar o ato de improbidade, induzindo-o a tanto; o terceiro concorre para a prática do ato de improbidade, participação esta que pode consistir na divisão de tarefas com o agente público ou na mera prestação de auxílio material; o terceiro não exerce qualquer influência sobre o animus do agente ou presta qualquer contribuição à prática do ato de improbidade, limitando-se em se beneficiar do produto do ilícito.”

De acordo com a ministra Eliana Calmon, se for constatado que o terceiro concorreu para o ilícito praticado por agente público ou teve conhecimento da origem ilícita do benefício auferido, estará sujeito às sanções da Lei 8.429.

Ela esclareceu que a expressão “no que couber”, prevista no artigo 3º, não afasta a responsabilidade do particular, mas deve ser entendida apenas como forma de restringir as sanções aplicáveis, “que devem ser compatíveis com as condições pessoais do agente, afastando-se, por exemplo, a possibilidade de perda da função pública” (REsp 931.135).

Legitimidade

Em setembro de 2014, a Segunda Turma deu provimento ao recurso especial de uma empresa de coleta de lixo para extinguir processo a que respondia com seus diretores.

O tribunal de segunda instância havia dado prosseguimento à ação de improbidade proposta pelo Ministério Público de São Paulo (Resp 1.409.940), que acusou a empresa de ter cometido fraudes na pesagem do lixo residencial e hospitalar que era coletado.

Em decisão unânime, os ministros consideraram ser inviável a ação de improbidade ajuizada exclusivamente contra a sociedade e seus diretores. Para eles, além de não ser possível enquadrá-los no conceito de agente público da LIA, a configuração do ilícito dependeria da participação de pessoa integrante da estrutura administrativa.

“No tocante à legitimidade passiva na ação de improbidade, a responsabilização do particular pela prática de ato de improbidade depende da circunstância de ter participado, concorrido ou se beneficiado de ilícito da mesma natureza praticado por agente público, nos termos do artigo 3º da Lei 8.429”, afirmou o relator do recurso da empresa, ministro Og Fernandes.

Exceções

O ministro considerou que a mera execução de serviço público de coleta de lixo não caracteriza o contratado e, por consequência, seus diretores como agentes públicos. “As possibilidades de considerar agente público na esfera privada são excepcionais, sendo limitadas pela Lei 8.429 aos atos praticados nas entidades que recebam recursos de ente público para sua criação ou custeio – o que não inclui verba referente à remuneração contratual”, afirmou.

Og Fernandes explicou que o conceito de agente público por equiparação, para responder à ação de improbidade, alcança quem exerce – ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo – mandato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas no artigo 1º da LIA.

Apesar disso, nada impede, disse o relator, que se busque a responsabilização dos particulares por outros meios legais.

Mesmas sanções

Em situações nas quais agentes privados concorrem para a prática de ato de improbidade, eles “são equiparados aos agentes públicos para o fim de melhor resguardar o destino atribuído à receita de origem pública, estando passíveis de sofrer as mesmas sanções a estes cominadas e que estejam em conformidade com a peculiaridade de não possuírem vínculo com o poder público”, ensinam Emerson Garcia e Rogério Pacheco.

No mesmo sentido, o ministro Herman Benjamin afirma que todos aqueles que tenham concorrido para a prática da conduta ímproba são legitimados passivos da ação civil por ato de improbidade. Ele foi relator do REsp 896.044, julgado pela Segunda Turma. A ação, ajuizada pelo Ministério Público Federal, tratava de pagamentos indevidos feitos com verba da Fundação Nacional de Saúde no Pará a duas prestadoras de serviços.

Além dos servidores envolvidos, a ação foi proposta contra o gerente responsável pelas empresas. Todos foram condenados em primeira instância. Contudo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região considerou nula a sentença e determinou o retorno do processo para citação das empresas e de seus representantes legais, os quais deixaram de ser demandados pelo MPF sem qualquer justificativa. 

Litisconsórcio

Herman Benjamin afirmou que a falta de inclusão das empresas no polo passivo não impede a responsabilização dos agentes públicos e de outros particulares, “mostrando-se equivocada a anulação da sentença por ausência de formação de litisconsórcio com as pessoas jurídicas privadas”.

O ministro mencionou precedente da Primeira Turma, segundo o qual “não há, na Lei de Improbidade, previsão legal de formação de litisconsórcio entre o suposto autor do ato de improbidade e eventuais beneficiários, tampouco havendo relação jurídica entre as partes a obrigar o magistrado a decidir de modo uniforme a demanda” (REsp 759.646).

No entanto, observou Herman Benjamin, se é fato que os agentes públicos podem ser condenados independentemente da responsabilização da empresa favorecida pela improbidade, o inverso não é verdadeiro: os particulares não podem responder à ação baseada na LIA se não houver o agente público no polo passivo.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

TCU pode declarar inidoneidade de empresa para licitar com a administração


Na sessão desta quinta-feira (21), por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou Mandado de Segurança (MS 30788) impetrado na Corte por uma empresa de informática impedida de licitar com a administração pública, por cinco anos, em razão de decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Ao analisar o caso, questionado por meio do mandado de segurança, os ministros concluíram que o TCU tem competência para declarar a inidoneidade de empresas privadas que cometerem fraudes a processos licitatórios.


A empresa questionava a competência do TCU para impor esse tipo de sanção, prevista no artigo 46 da Lei 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU). De acordo com o advogado da empresa, o Tribunal de Contas da União não teria competência para aplicar a sanção, considerada a redação do parágrafo 3º e do inciso III do artigo 87 da Lei 8.666/93. O dispositivo diz que incumbe a ministros de estado ou a secretários estaduais ou municipais decidir sobre a suspensão temporária de participação em licitação.

Constitucionalidade

De acordo com os ministros que votaram contrários à concessão do MS, a base normativa que legitima, a partir da própria Constituição, o exercício desse dever poder de fiscalizar, controlar e reprimir fraude e condutas ilícitas é o artigo 46 da Lei Orgânica do TCU, que já teve sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, lembrou em seu voto que o Plenário do STF, em, 2006, no julgamento da Petição (PET) 3606, já se manifestou no sentido da constitucionalidade da competência dada ao TCU para declarar a inidoneidade de empresa privada para participar de licitações promovidas pela administração pública. O Supremo entendeu, na ocasião, que a previsão do artigo 46 da Lei 8.443/1992 não se confunde com o disposto no artigo 87 da Lei de Licitações (8.666/93).

De acordo com o ministro Luiz Fux, existe uma diferença de eficácia entre o que dispõem as duas leis. No caso, não se deve aplicar o princípio de que uma lei posterior revoga uma anterior. Para o ministro, as duas leis convivem.

O ministro Gilmar Mendes explicou, por sua vez, que o parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal submete ao controle do TCU não apenas as pessoas de direito público, mas também as pessoas jurídicas de direito privado e as pessoas naturais.

Relator

O relator do caso, ministro Marco Aurélio, foi o único a votar no sentido de conceder a ordem, por considerar inconstitucional o artigo 46 da Lei Orgânica do TCU, segundo o qual, “verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”. Para o relator, o dispositivo ampliaria o rol das competências dadas ao TCU pelo artigo 71 da Constituição Federal.

Leia a íntegra do voto do relator, ministro Marco Aurélio.


Fonte: Supremo Tribunal Federal

terça-feira, 19 de maio de 2015

SLTI orienta gestores sobre o impedimento de licitar e contratar, previsto no art. 7º, da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002


A Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SLTI/MP), em atendimento ao disposto  no Acórdão 754/2015-TCU-Plenário, proferido na sessão ordinária de 8 de abril de 2015, orienta os gestores das áreas responsáveis pela condução dos processos licitatórios, inclusive os dos órgãos sob seu controle de atuação administrativa e financeira, que: 

I – deverá ser autuado processo administrativo para apenação das empresas que praticarem injustificadamente ato ilegal previsto no rol do art. 7º, da Lei 10.520, de 17 de julho de 2002;

II – o art. 7º, da Lei 10.520, tem caráter abrangente, e abarca condutas relacionadas não apenas à contratação em si, mas também ao procedimento licitatório e à execução da avença;

III – os responsáveis por licitações que não observarem as determinações previstas nos subitem 9.5.1 do item 9.5. do Acórdão nº 754/2015-TCU-Plenário estão sujeitos a sanções.

Por fim, a SLTI informa que tal Acórdão implica na aplicação da sanção regulamentada pelo art. 28 do Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, devendo eventuais sanções aplicadas após o processo administrativo serem registradas no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF), nos termos da Instrução Normativa nº 2, de 11 de outubro de 2010, desta Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação.

Excerto do Acórdão contendo a determinação:

Acórdão 754/2015-TCU-Plenário

“9.5. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho Nacional do Ministério Público, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados e ao Tribunal de Contas da União que:

9.5.1. orientem os gestores das áreas responsáveis por conduzir licitações, inclusive os dos órgãos sob seu controle de atuação administrativa e financeira, para que autuem processo administrativo com vistas à apenação das empresas que praticarem, injustificadamente, ato ilegal tipificado no art. 7° da Lei 10.520/2002 e alertem-nos de que tal dispositivo tem caráter abrangente e abarca condutas relacionadas não apenas à contratação em si, mas também ao procedimento licitatório e à execução da avença;

9.5.2. divulguem que estão sujeitos a sanções os responsáveis por licitações que não observarem a orientação do item 9.5.1 deste acórdão;”

Fonte: Compras Governamentais


Faça o download da íntegra do acórdão no blog
(publicação de 19/05/2015).

terça-feira, 12 de maio de 2015

Competência do TCU - Determinação - Abrangência.


“O TCU pode proferir determinações não somente nos casos de ocorrência de ilegalidade, como também nos casos de falhas ou impropriedades, inclusive as de ordem operacional (art. 70 da Constituição Federal c/c art. 1º, inciso II, art. 43, inciso I, da Lei 8.443/92 e art. 250, inciso II, do Regimento Interno/TCU). Fica no âmbito da discricionariedade do administrador público a escolha da melhor solução a ser adotada para corrigir as falhas verificadas.” (TCU – Acórdão nº 906/2015, Plenário, rel. Min. Bruno Dantas)

Boletim de Jurisprudência do TCU, Número 079.
Sessão: 22 de abril de 2015.