quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Roteiro para Repactuação de Preços: Um Guia Passo a Passo

 


1. Conceito e finalidade da repactuação

A repactuação de preços, prevista na Nova Lei de Licitações (art. 135), é instituto destinado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos, nos casos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra. É um mecanismo mais detalhado e subjetivo. Seu objetivo é atualizar os preços de um contrato de serviços com dedicação de mão de obra exclusiva para refletir as variações nos custos da folha de pagamento.

Visa recompor variações de custos que onerem o contratado, como salário, encargos, insumos, tributos etc., mantendo o contrato exequível conforme pactuado originalmente.

Diferencia-se de reajuste em sentido estrito e de revisão (ou reequilíbrio extraordinário) por suas condições específicas.

O reajuste, previsto no inciso LVIII do art. 6º da Lei nº 14.133/2021, é um mecanismo de correção monetária. Sua principal finalidade é compensar a perda do poder de compra da moeda ao longo do tempo, devido à inflação. É um processo objetivo e automático, ligado a índices de preços preestabelecidos no edital e no contrato.

Tem como finalidade repor a perda inflacionária. Não se destina a cobrir custos específicos, mas a corrigir o valor global do contrato.

A revisão, a seu turno, é um mecanismo de ajuste de preços mais amplo e extraordinário. Sua principal finalidade é compensar o desequilíbrio econômico-financeiro de um contrato decorrente de fatos imprevisíveis ou imprevistos, mas que são inevitáveis e que afetam de forma significativa o contrato.

Está previsto no art. 124, II, “d”, da Lei nº 14.133/2021 e tem por objetivo restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato original, alterado por eventos extraordinários e imprevisíveis.

A revisão não tem periodicidade. Ocorre a qualquer momento em que o desequilíbrio seja verificado. É um ato discricionário da Administração Pública, que deve ser provocado pelo contratado. Porém, requer a demonstração do nexo causal entre o evento extraordinário e o desequilíbrio do contrato. A empresa contratada precisa provar que o evento afetou o contrato e que o prejuízo não poderia ser evitado.

Tabela comparativa:

A Lei nº 14.133/2021, também conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, trouxe definições e procedimentos mais claros para o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. As ferramentas para manter esse equilíbrio são a repactuação, o reajuste e a revisão de preços. Embora todas busquem ajustar o valor contratual, elas se aplicam em cenários e com regras distintas. A seguir, apresentamos uma tabela comparativa que detalha as diferenças entre esses três mecanismos.

Aspecto

Repactuação

Reajuste

Revisão de Preços

Características

Mecanismo de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

Mecanismo de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

Mecanismo de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

Requisitos

Variação de custos de mão de obra e insumos.

Previsão expressa em edital e contrato; existência de índices de preços.

Fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis.

Objeto

Reequilíbrio de contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra.

Atualização monetária de preços em contratos de forma geral.

Restabelecimento da relação custo-benefício original do contrato.

Natureza

Mecanismo de correção de valores devido a aumento de custos salariais ou insumos.

Mecanismo de atualização monetária de valores, visando à correção da inflação.

Mecanismo de recomposição de preços em razão de fatos novos e extraordinários.

Base de Cálculo

Planilha de custos e formação de preços do contrato.

Índices setoriais ou gerais de preços (ex: IPCA, IGP-M).

Fatos ou eventos que geraram o desequilíbrio, comprovados documentalmente.

Metodologia

Análise e demonstração analítica do aumento dos custos da mão de obra e insumos.

Aplicação de índice de correção monetária sobre os valores contratuais.

Análise qualitativa e quantitativa dos fatos geradores do desequilíbrio e seu impacto nos custos.

Periodicidade

A cada 12 meses da data da apresentação da proposta ou do último reajuste/repactuação.

A cada 12 meses, contados da data-limite para apresentação da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se referir.

Não há periodicidade fixa. Pode ocorrer a qualquer tempo, desde que comprovado o desequilíbrio.

Contratos

Exclusivamente em contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra.

Aplicável a todos os contratos, desde que haja previsão expressa.

Aplicável a todos os contratos em que ocorra uma situação que justifique o reequilíbrio.

2. Roteiro Passo a Passo para Elaborar o Requerimento

a) Preparação documental

* Obter: edital/termo de referência; contrato original; aditamentos; cláusula de repactuação/reajuste no contrato/edital.

* Reunir documentações de custo original: planilha de preços da proposta; orçamentos de insumos, salários vigentes; convenções coletivas/dissídios que estavam em vigor à época da proposta; encargos, tributos aplicáveis.

b)     Determinar se o contrato se enquadra

* Verificar se serviço contínuo.

* Verificar se há dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra.

* Verificar existência de previsão de repactuação no edital/contrato.

c)      Verificar marcos temporais

* Data de apresentação da proposta → para custos de mercado.

* Data de acordo/convenção/dissídio coletivo aplicável → para os custos de mão de obra.

* Se já houve repactuação anterior, usar data da última.

* Certificar que decorreu pelo menos 1 ano para o custo em questão.

d)     Cálculo preliminar

* Atualizar custos de insumos: valores atuais vs valores estimados propostos.

* Atualizar salários/encargos conforme convenção/dissídio.

* Separar os componentes de custo (insumos, mão de obra, encargos, tributos etc.).

* Produzir planilha comparativa, com percentuais e impacto financeiro global.

e)     Elaborar requerimento escrito

Estrutura mínima sugerida:

* Identificação da empresa contratada, contrato (nº, objeto, data de vigência).

* Autoridade ou setor destinatário.

* Exposição dos fundamentos legais: art. 6º, LIX; art. 25, §8º; art. 92, V; art. 135; art. 136.

1) Descrição factual: quais aumentos ocorreram, em quê medida (insumos, salários, encargos, tributos).

2) Apresentação da planilha comparativa e documentos comprobatórios.

3) Pedido específico: percentual ou valor, data de vigência pretendida, se em parcela única ou em parcelas; mencionar discussão separada se diferentes categorias profissionais envolvidas.

4) Pedido de formalização via apostila, se for permitido.

5) Se aplicável, pedir resposta no prazo legal (observando natureza contínua).

f)       Protocolo e acompanhamento

* Protocolo formal com comprovante.

* Acompanhar eventuais exigências adicionais de documentação.

* Verificar despacho de análise.

g)     Formalização da decisão e efeitos

* Se deferido, formalização: apostila (art. 136, I) ou termo aditivo, conforme grau de alteração.

* Se parcial ou indeferido, tomar ciência dos fundamentos.

* Avaliar se há recurso administrativo ou medida judicial cabível, se os requisitos estavam todos presentes.

h)     Em caso de prorrogação ou término contratual

* O requerimento deve ser formulado antes da prorrogação ou do término do contrato, para evitar preclusão.

* Verificar se há cláusula que assegure manutenção provisória dos preços durante prorrogação.

Instrução Processual

A Administração Pública exige a demonstração analítica dos custos. Seu pedido deve conter, no mínimo, os seguintes documentos:

a. Requerimento Formal: Uma petição clara, endereçada ao gestor do contrato, com menção expressa ao número do processo administrativo, do contrato e do edital.

b. Planilha de Custos e Formação de Preços: A planilha original que serviu de base para sua proposta e uma nova planilha com os custos atualizados. Você deve evidenciar a variação de cada componente do custo, especialmente os da mão de obra.

c. Convenções ou Dissídios Coletivos de Trabalho: Anexe a convenção coletiva ou dissídio que alterou o salário-base da categoria, os benefícios ou os encargos sociais. A nova lei (Art. 135, II) vincula a data da repactuação à data desses documentos.

d. Comprovantes de Variação de Outros Custos: Se houver outros custos (ex. vale-transporte, vale-refeição) que variaram, junte documentos que comprovem essas variações (ex. decretos municipais, notas fiscais).

e. Memória de Cálculo Detalhada: Apresente a memória de cálculo que justifique o valor pretendido, item por item, comparando os custos originais e os atualizados.

f. Cópia do Contrato, Edital e Documentos da Proposta: Inclua cópias para facilitar a análise do gestor público, que pode não ter acesso imediato a esses documentos.

3. Principais objeções e como enfrentá-las

O processo de solicitação de repactuação, reajuste ou revisão de preços, embora garantido pela Lei nº 14.133/2021, pode enfrentar diversas objeções por parte da administração pública. A seguir, apresentamos uma tabela que detalha as principais objeções e as estratégias para superá-las.

Objeção

Descrição do Problema

Como Enfrentar

Não há previsão contratual ou editalícia expressa.

A Administração Pública alega a inexistência de cláusula no contrato ou edital que permita o reajuste ou a repactuação, ou ignora a base legal para a revisão.

Reajuste/Repactuação: Ressaltar que a Lei nº 14.133/2021 e a jurisprudência do TCU garantem a aplicação desses mecanismos, independentemente de previsão expressa, desde que cumpridos os requisitos. Revisão: Argumentar que a revisão é um direito inerente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, previsto na lei, e que sua aplicação não depende de cláusula contratual.

Interregno não completado.

A Administração recusa o pedido por entender que o período mínimo de 12 meses para reajuste ou repactuação ainda não foi atingido.

Repactuação/Reajuste: Demonstrar que o interregno legal de 12 meses já foi alcançado, seja a partir da data da proposta, do orçamento de referência ou do último reajuste/repactuação. No caso da revisão, argumentar que a aplicação não está sujeita a periodicidade e pode ocorrer a qualquer tempo.

Documentação insuficiente / planilha não confiável.

A documentação apresentada para justificar o aumento de custos é considerada incompleta, inconsistente ou a planilha de custos não detalha de forma clara a composição dos preços.

Apresentar documentação completa e detalhada, incluindo notas fiscais, recibos, convenções coletivas de trabalho, dissídios, orçamentos e outros documentos que comprovem o aumento dos custos. A planilha de custos deve ser elaborada de forma transparente, com justificativas claras para cada item.

Restrições nos acordos coletivos (matérias não trabalhistas).

A Administração Pública questiona a legalidade de cláusulas em acordos coletivos que geram impacto nos custos, mas que não se referem diretamente a salários ou obrigações trabalhistas (ex: vale-alimentação, seguro de vida, etc.).

Argumentar que os custos previstos em convenções ou acordos coletivos são de natureza obrigatória e integram a planilha de custos de mão de obra. Apresentar cópias dos documentos que comprovem que esses custos são exigidos e de aplicação compulsória.

Negativa com base orçamentária ou reserva de mercado.

A Administração alega a falta de dotação orçamentária para o reajuste, a repactuação ou a revisão ou o interesse em manter o valor do contrato para garantir a competitividade de mercado.

Ressaltar que a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é uma obrigação legal e que o desequilíbrio pode levar à interrupção do serviço ou à execução de forma precária. Informar que a ausência de dotação orçamentária pode configurar negligência da Administração e não é uma justificativa válida para descumprir a lei.

4. Jurisprudência

“Na contratação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, de modo a resguardar o interesse da Administração Pública, bem como buscar garantir a proteção do trabalhador terceirizado, o edital de licitação deve contemplar dispositivos que estabeleçam: a) exigência para que o licitante entregue junto com sua proposta de preços uma declaração informando o enquadramento sindical da empresa, a atividade econômica preponderante e a justificativa para adoção do instrumento coletivo do trabalho em que se baseia sua proposta; b) exigência para que o licitante apresente cópia da carta ou registro sindical do sindicato a qual ele declara ser enquadrado, em razão do regramento do enquadramento sindical previsto na CLT ou por força de decisão judicial; c) responsabilidade da empresa licitante nas situações de ocorrência de erro no enquadramento sindical, ou fraude pela utilização de instrumento coletivo incompatível com o enquadramento sindical declarado ou no qual a empresa não tenha sido representada por órgão de classe de sua categoria, que daí tenha resultado vantagem indevida na fase de julgamento das propostas, sujeitando a contratada às sanções previstas no art. 156, incisos III e IV, da Lei 14.133/2021; d) responsabilidade exclusiva da empresa contratada pelo cometimento de erro ou fraude no enquadramento sindical e pelo eventual ônus financeiro decorrente, por repactuação ou por força de decisão judicial, em razão da necessidade de se proceder ao pagamento de diferenças salariais e de outras vantagens, ou ainda por intercorrências na execução dos serviços contratados, resultante da adoção de instrumento coletivo do trabalho inadequado; e) aderência à convenção coletiva do trabalho à qual a proposta da empresa esteja vinculada para fins de atendimento à eventual necessidade de repactuação  dos valores decorrentes da mão de obra, consignados na planilha de custos e formação de preços do contrato, em observância ao disposto no art. 135, inciso II, da Lei 14.133/2021. Constitui motivo para extinção do contrato, nos termos do art. 137, inciso I, da Lei 14.133/2021, com a consequente realização de novo processo licitatório, a situação em que se impõe à contratada a alteração da convenção coletiva de trabalho em que se baseia a planilha de custos e formação de preços, em razão de erro ou fraude no enquadramento sindical de que resulta a necessidade de repactuação ou imposição de ônus financeiro para a Administração Pública, em cumprimento de decisão judicial.” (Acórdão 1207/2024-Plenário - Relator: ANTONIO ANASTASIA)

 

“Se à época da prorrogação do contrato de prestação de serviços contínuos, mediante termo aditivo, a contratada não pleiteou a repactuação a que fazia jus e a Administração decidiu prorrogar a avença com base neste quadro, não pode a contratada, após a assinatura do mencionado aditivo, requisitar o reequilíbrio, pois isto implicaria negar à Administração a faculdade de avaliar se, com a repactuação, seria conveniente, do ponto de vista financeiro, manter o ajuste.” (Acórdão 477/2010-Plenário - Relator: AROLDO CEDRAZ)

 

“Na repactuação dos contratos de serviços de natureza continuada deverá ser observado o interregno mínimo de um ano, a contar da data da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se referir. Nas repactuações subsequentes à primeira, o prazo mínimo de um ano conta-se a partir da data da última repactuação.” (Acórdão 1563/2004-Plenário - Relator: AUGUSTO SHERMAN)

 

“A diferença entre repactuação e reajuste é que este é automático e realizado periodicamente, mediante aplicação de índice de preço que, dentro do possível, deve refletir os custos setoriais. Enquanto que naquela, de periodicidade anual, não há automatismo, pois é necessário demonstrar a variação dos custos do serviço. Para que ocorra a repactuação, com base na variação dos custos do serviço contratado, deve ser observado o prazo mínimo de um ano, mediante a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos, devidamente justificada, não sendo admissível repactuação com base na variação do IGPM.” (Acórdão 1105/2008-Plenário - Relator: BENJAMIN ZYMLER)

5. Quadro-Resumo Final

A repactuação é um dos instrumentos mais importantes da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) para garantir a saúde financeira e a continuidade de contratos administrativos. Trata-se de um mecanismo específico para equilibrar o valor de contratos que têm como base a mão de obra, ajustando-o às variações dos custos trabalhistas. Abaixo, apresentamos um quadro resumo detalhado para facilitar o seu estudo.

Aspecto de Análise

Detalhamento

Objetivo

Manter o equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Visa compensar a variação dos custos fixos ou variáveis da planilha de preços, especialmente aqueles relacionados à mão de obra, em decorrência de alterações salariais previstas em convenções ou acordos coletivos de trabalho.

Base Legal

Art. 135 da Lei nº 14.133/2021. A repactuação é expressamente prevista como uma forma de reequilíbrio dos contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra.

Requisitos Essenciais

1. Contrato de serviço contínuo com dedicação exclusiva de mão de obra. 2. Comprovação analítica e detalhada do aumento dos custos. 3. Alteração comprovada em despesas de mão de obra (salários, benefícios, encargos, etc.). 4. Apresentação da solicitação com a documentação completa.

Marcos Temporais

O pedido de repactuação só pode ser solicitado após o interregno mínimo de 12 meses, contados da data da apresentação da proposta ou da data do último reajuste/repactuação.

Formalização

O processo deve ser formalizado mediante a apresentação de um requerimento da contratada à Administração Pública, acompanhado de toda a documentação comprobatória (convenções coletivas, planilhas de custos atualizadas, etc.). A análise e a decisão da Administração devem ser formalizadas por meio de processo administrativo com parecer técnico.

Efeitos Práticos

Não possui efeito retroativo. Os novos valores passam a vigorar a partir da data do requerimento de repactuação, desde que este seja protocolado após o interregno de 12 meses. A implementação dos novos valores depende da análise e da aprovação da Administração, resultando em um termo aditivo ou em outro documento que formalize a alteração (termo de apostilamento, p. ex.).

 6. Referências

Sobre o assunto, vide:

*A cláusula de equilíbrio econômico-financeiro: como utilizá-la?

 

*Reequilíbrio econômico-financeiro - Demonstração dos pressupostos

 

*Equação econômico-financeira do contrato

 

*Equilíbrio econômico-financeiro - Limite

 

*Serviço contínuo - Prorrogação - Repactuação - Reequilíbrio

 

* Reajustex Recomposição

 

*Reajuste e Recomposição em Contratos Administrativos

 

*A partir de qual marco temporal deverá ser contada a aplicação de índices dereajuste em contratos administrativos?

 

*Reajuste contratual com prazo contado da assinatura do contrato -Irregularidade


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