1. Conceito e finalidade da repactuação
A repactuação
de preços, prevista na Nova Lei de Licitações (art. 135), é
instituto destinado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de
contratos administrativos, nos casos de serviços contínuos com dedicação
exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra. É um
mecanismo mais detalhado e subjetivo. Seu objetivo é atualizar os preços
de um contrato de serviços com dedicação de mão de obra exclusiva para
refletir as variações nos custos da folha de pagamento.
Visa
recompor variações de custos que onerem o contratado, como salário, encargos,
insumos, tributos etc., mantendo o contrato exequível conforme pactuado
originalmente.
Diferencia-se
de reajuste em sentido estrito e de revisão (ou reequilíbrio extraordinário)
por suas condições específicas.
O reajuste,
previsto no inciso LVIII do art. 6º da Lei nº 14.133/2021, é
um mecanismo de correção monetária. Sua principal finalidade é compensar a
perda do poder de compra da moeda ao longo do tempo, devido à inflação. É um
processo objetivo e automático, ligado a índices de preços
preestabelecidos no edital e no contrato.
Tem como
finalidade repor a perda inflacionária. Não se destina a
cobrir custos específicos, mas a corrigir o valor global do contrato.
A revisão,
a seu turno, é um mecanismo de ajuste de preços mais amplo
e extraordinário. Sua principal finalidade é compensar o desequilíbrio
econômico-financeiro de um contrato decorrente de fatos imprevisíveis ou
imprevistos, mas que são inevitáveis e que afetam de forma significativa
o contrato.
Está
previsto no art. 124, II, “d”, da Lei nº 14.133/2021 e tem por objetivo restabelecer
o equilíbrio econômico-financeiro do contrato original, alterado por eventos extraordinários e imprevisíveis.
A revisão
não tem periodicidade. Ocorre a qualquer momento em
que o desequilíbrio seja verificado. É um ato discricionário da Administração
Pública, que deve ser provocado pelo contratado. Porém, requer a demonstração
do nexo causal entre o evento extraordinário e o desequilíbrio do contrato. A
empresa contratada precisa provar que o evento afetou o contrato e que o
prejuízo não poderia ser evitado.
Tabela comparativa:
A Lei nº
14.133/2021, também conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos
Administrativos, trouxe definições e procedimentos mais claros para o
equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. As ferramentas para manter esse
equilíbrio são a repactuação, o reajuste e a revisão de preços. Embora todas
busquem ajustar o valor contratual, elas se aplicam em cenários e com regras
distintas. A seguir, apresentamos uma tabela comparativa que detalha as
diferenças entre esses três mecanismos.
Aspecto |
Repactuação |
Reajuste |
Revisão de Preços |
Características |
Mecanismo de manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro. |
Mecanismo de manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro. |
Mecanismo de manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro. |
Requisitos |
Variação de custos de mão de
obra e insumos. |
Previsão expressa em edital e
contrato; existência de índices de preços. |
Fatos imprevisíveis ou
previsíveis de consequências incalculáveis. |
Objeto |
Reequilíbrio de contratos de serviços
contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra. |
Atualização monetária de preços
em contratos de forma geral. |
Restabelecimento da relação
custo-benefício original do contrato. |
Natureza |
Mecanismo de correção de
valores devido a aumento de custos salariais ou insumos. |
Mecanismo de atualização
monetária de valores, visando à correção da inflação. |
Mecanismo de recomposição de
preços em razão de fatos novos e extraordinários. |
Base de Cálculo |
Planilha de custos e formação
de preços do contrato. |
Índices setoriais ou gerais de
preços (ex: IPCA, IGP-M). |
Fatos ou eventos que geraram o
desequilíbrio, comprovados documentalmente. |
Metodologia |
Análise e demonstração
analítica do aumento dos custos da mão de obra e insumos. |
Aplicação de índice de correção
monetária sobre os valores contratuais. |
Análise qualitativa e
quantitativa dos fatos geradores do desequilíbrio e seu impacto nos custos. |
Periodicidade |
A cada 12 meses da data da
apresentação da proposta ou do último reajuste/repactuação. |
A cada 12 meses, contados da
data-limite para apresentação da proposta ou da data do orçamento a que a
proposta se referir. |
Não há periodicidade fixa. Pode
ocorrer a qualquer tempo, desde que comprovado o desequilíbrio. |
Contratos |
Exclusivamente em contratos de
serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra. |
Aplicável a todos os contratos,
desde que haja previsão expressa. |
Aplicável a todos os contratos
em que ocorra uma situação que justifique o reequilíbrio. |
2. Roteiro Passo a Passo para Elaborar o Requerimento
a) Preparação
documental
* Obter:
edital/termo de referência; contrato original; aditamentos; cláusula de
repactuação/reajuste no contrato/edital.
* Reunir
documentações de custo original: planilha de preços da proposta; orçamentos de
insumos, salários vigentes; convenções coletivas/dissídios que estavam em vigor
à época da proposta; encargos, tributos aplicáveis.
b)
Determinar se o contrato se enquadra
* Verificar
se serviço contínuo.
* Verificar
se há dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra.
* Verificar
existência de previsão de repactuação no edital/contrato.
c)
Verificar marcos temporais
* Data de
apresentação da proposta → para custos de mercado.
* Data de
acordo/convenção/dissídio coletivo aplicável → para os custos de mão de obra.
* Se já
houve repactuação anterior, usar data da última.
* Certificar
que decorreu pelo menos 1 ano para o custo em questão.
d)
Cálculo preliminar
* Atualizar
custos de insumos: valores atuais vs valores estimados propostos.
* Atualizar
salários/encargos conforme convenção/dissídio.
* Separar
os componentes de custo (insumos, mão de obra, encargos, tributos etc.).
* Produzir
planilha comparativa, com percentuais e impacto financeiro global.
e)
Elaborar requerimento escrito
Estrutura
mínima sugerida:
* Identificação
da empresa contratada, contrato (nº, objeto, data de vigência).
* Autoridade
ou setor destinatário.
* Exposição
dos fundamentos legais: art. 6º, LIX; art. 25, §8º; art. 92, V; art. 135; art.
136.
1) Descrição
factual: quais aumentos ocorreram, em quê medida (insumos, salários, encargos,
tributos).
2) Apresentação
da planilha comparativa e documentos comprobatórios.
3) Pedido
específico: percentual ou valor, data de vigência pretendida, se em parcela
única ou em parcelas; mencionar discussão separada se diferentes categorias
profissionais envolvidas.
4) Pedido
de formalização via apostila, se for permitido.
5) Se
aplicável, pedir resposta no prazo legal (observando natureza contínua).
f)
Protocolo e acompanhamento
* Protocolo
formal com comprovante.
* Acompanhar
eventuais exigências adicionais de documentação.
* Verificar
despacho de análise.
g)
Formalização da decisão e efeitos
* Se
deferido, formalização: apostila (art. 136, I) ou termo aditivo, conforme grau
de alteração.
* Se
parcial ou indeferido, tomar ciência dos fundamentos.
* Avaliar
se há recurso administrativo ou medida judicial cabível, se os requisitos
estavam todos presentes.
h)
Em caso de prorrogação ou término contratual
* O
requerimento deve ser formulado antes da prorrogação ou do término do
contrato, para evitar preclusão.
* Verificar
se há cláusula que assegure manutenção provisória dos preços durante
prorrogação.
Instrução Processual
A Administração Pública exige a demonstração
analítica dos custos. Seu pedido deve conter, no mínimo, os seguintes
documentos:
a. Requerimento
Formal: Uma petição clara, endereçada ao gestor do contrato, com menção
expressa ao número do processo administrativo, do contrato e do edital.
b. Planilha
de Custos e Formação de Preços: A planilha original que serviu
de base para sua proposta e uma nova planilha com os custos atualizados. Você
deve evidenciar a variação de cada componente do custo, especialmente os da mão
de obra.
c. Convenções
ou Dissídios Coletivos de Trabalho: Anexe a convenção coletiva ou
dissídio que alterou o salário-base da categoria, os benefícios ou os encargos
sociais. A nova lei (Art. 135, II) vincula a data da repactuação à data desses
documentos.
d. Comprovantes
de Variação de Outros Custos: Se houver outros custos (ex.
vale-transporte, vale-refeição) que variaram, junte documentos que comprovem
essas variações (ex. decretos municipais, notas fiscais).
e. Memória de
Cálculo Detalhada: Apresente a memória de cálculo que justifique o valor
pretendido, item por item, comparando os custos originais e os atualizados.
f. Cópia do
Contrato, Edital e Documentos da Proposta: Inclua
cópias para facilitar a análise do gestor público, que pode não ter acesso
imediato a esses documentos.
3. Principais objeções e como enfrentá-las
O processo
de solicitação de repactuação, reajuste ou revisão de preços, embora garantido
pela Lei nº 14.133/2021, pode enfrentar diversas objeções por parte da
administração pública. A seguir, apresentamos uma tabela que detalha as
principais objeções e as estratégias para superá-las.
Objeção |
Descrição do Problema |
Como Enfrentar |
Não há previsão contratual ou
editalícia expressa. |
A
Administração Pública alega a inexistência de cláusula no contrato ou edital que
permita o reajuste ou a repactuação, ou ignora a base legal para a revisão. |
Reajuste/Repactuação: Ressaltar que a Lei nº
14.133/2021 e a jurisprudência do TCU garantem a aplicação desses
mecanismos, independentemente de previsão expressa, desde que cumpridos os
requisitos. Revisão: Argumentar que a revisão é um direito inerente ao
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, previsto na lei, e que sua
aplicação não depende de cláusula contratual. |
Interregno não completado. |
A
Administração recusa o pedido por entender que o período mínimo de 12
meses para reajuste ou repactuação ainda não foi atingido. |
Repactuação/Reajuste: Demonstrar que o interregno
legal de 12 meses já foi alcançado, seja a partir da data da proposta, do orçamento
de referência ou do último reajuste/repactuação. No caso da revisão,
argumentar que a aplicação não está sujeita a periodicidade e pode ocorrer a
qualquer tempo. |
Documentação insuficiente /
planilha não confiável. |
A
documentação apresentada para justificar o aumento de custos é considerada
incompleta, inconsistente ou a planilha de custos não detalha de forma clara
a composição dos preços. |
Apresentar
documentação completa e detalhada, incluindo notas fiscais, recibos,
convenções coletivas de trabalho, dissídios, orçamentos e outros documentos
que comprovem o aumento dos custos. A planilha de custos deve ser elaborada
de forma transparente, com justificativas claras para cada item. |
Restrições nos acordos
coletivos (matérias não trabalhistas). |
A Administração
Pública questiona a legalidade de cláusulas em acordos coletivos que geram
impacto nos custos, mas que não se referem diretamente a salários ou
obrigações trabalhistas (ex: vale-alimentação, seguro de vida, etc.). |
Argumentar
que os custos previstos em convenções ou acordos coletivos são de natureza
obrigatória e integram a planilha de custos de mão de obra. Apresentar
cópias dos documentos que comprovem que esses custos são exigidos e de
aplicação compulsória. |
Negativa com base orçamentária
ou reserva de mercado. |
A
Administração alega a falta de dotação orçamentária para o reajuste, a
repactuação ou a revisão ou o interesse em manter o valor do contrato para
garantir a competitividade de mercado. |
Ressaltar
que a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é uma obrigação legal
e que o desequilíbrio pode levar à interrupção do serviço ou à execução de
forma precária. Informar que a ausência de dotação orçamentária pode
configurar negligência da Administração e não é uma justificativa válida para
descumprir a lei. |
4. Jurisprudência
“Na contratação de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão
de obra, de modo a resguardar o interesse da Administração Pública, bem como
buscar garantir a proteção do trabalhador terceirizado, o edital de licitação
deve contemplar dispositivos que estabeleçam: a) exigência para que o licitante entregue junto com sua proposta
de preços uma declaração informando o enquadramento sindical da empresa, a
atividade econômica preponderante e a justificativa para adoção do instrumento
coletivo do trabalho em que se baseia sua proposta; b) exigência para que o licitante apresente cópia da carta ou
registro sindical do sindicato a qual ele declara ser enquadrado, em razão do
regramento do enquadramento sindical previsto na CLT ou por força de decisão judicial; c) responsabilidade da empresa
licitante nas situações de ocorrência de erro no enquadramento sindical, ou
fraude pela utilização de instrumento coletivo incompatível com o enquadramento
sindical declarado ou no qual a empresa não tenha sido representada por órgão
de classe de sua categoria, que daí tenha resultado vantagem indevida na fase
de julgamento das propostas, sujeitando a contratada às sanções previstas no
art. 156, incisos III e IV, da Lei 14.133/2021; d) responsabilidade exclusiva da empresa contratada pelo
cometimento de erro ou fraude no enquadramento sindical e pelo eventual ônus financeiro
decorrente, por repactuação ou por força de decisão judicial, em razão da
necessidade de se proceder ao pagamento de diferenças salariais e de outras
vantagens, ou ainda por intercorrências na execução dos serviços contratados,
resultante da adoção de instrumento coletivo do trabalho inadequado; e) aderência à convenção coletiva do
trabalho à qual a proposta da empresa esteja vinculada para fins de atendimento
à eventual necessidade de repactuação dos valores decorrentes da mão de
obra, consignados na planilha de custos e formação de preços do contrato, em
observância ao disposto no art. 135, inciso II, da Lei 14.133/2021. Constitui
motivo para extinção do contrato, nos termos do art. 137, inciso I, da Lei
14.133/2021, com a consequente realização de novo processo licitatório, a
situação em que se impõe à contratada a alteração da convenção coletiva de
trabalho em que se baseia a planilha de custos e formação de preços, em razão
de erro ou fraude no enquadramento sindical de que resulta a necessidade
de repactuação ou imposição de ônus financeiro para a Administração
Pública, em cumprimento de decisão judicial.” (Acórdão
1207/2024-Plenário - Relator: ANTONIO ANASTASIA)
“Se à época da prorrogação do
contrato de prestação de serviços contínuos, mediante termo aditivo, a
contratada não pleiteou a repactuação a que fazia jus e a Administração decidiu prorrogar a avença
com base neste quadro, não pode a contratada, após a assinatura do mencionado
aditivo, requisitar o reequilíbrio, pois isto implicaria negar à Administração
a faculdade de avaliar se, com a repactuação, seria conveniente, do ponto de vista financeiro, manter o ajuste.”
(Acórdão 477/2010-Plenário - Relator:
AROLDO CEDRAZ)
“Na repactuação
dos contratos de
serviços de natureza continuada deverá ser observado o interregno mínimo de um
ano, a contar da data da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se
referir. Nas repactuações subsequentes à primeira, o prazo mínimo de um ano
conta-se a partir da data da última repactuação.” (Acórdão 1563/2004-Plenário - Relator: AUGUSTO SHERMAN)
“A diferença entre repactuação
e reajuste é que este é
automático e realizado periodicamente, mediante aplicação de índice de preço
que, dentro do possível, deve refletir os custos setoriais. Enquanto que
naquela, de periodicidade anual, não há automatismo, pois é necessário
demonstrar a variação dos custos do serviço. Para que ocorra a repactuação, com base na variação dos custos do serviço contratado,
deve ser observado o prazo mínimo de um ano, mediante a demonstração analítica
da variação dos componentes dos custos, devidamente justificada, não sendo
admissível repactuação com base na variação do IGPM.” (Acórdão 1105/2008-Plenário - Relator: BENJAMIN
ZYMLER)
5. Quadro-Resumo Final
A
repactuação é um dos instrumentos mais importantes da Nova Lei de Licitações
(Lei nº 14.133/2021) para garantir a saúde financeira e a continuidade de
contratos administrativos. Trata-se de um mecanismo específico para equilibrar
o valor de contratos que têm como base a mão de obra, ajustando-o às variações
dos custos trabalhistas. Abaixo, apresentamos um quadro resumo detalhado para
facilitar o seu estudo.
Aspecto de Análise |
Detalhamento |
Objetivo |
Manter
o equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Visa compensar
a variação dos custos fixos ou variáveis da planilha de preços, especialmente
aqueles relacionados à mão de obra, em decorrência de alterações salariais
previstas em convenções ou acordos coletivos de trabalho. |
Base Legal |
Art.
135 da Lei nº 14.133/2021. A repactuação é expressamente prevista como
uma forma de reequilíbrio dos contratos de serviços contínuos com dedicação
exclusiva de mão de obra. |
Requisitos Essenciais |
1. Contrato
de serviço contínuo com dedicação exclusiva de mão de obra. 2. Comprovação
analítica e detalhada do aumento dos custos. 3. Alteração comprovada em
despesas de mão de obra (salários, benefícios, encargos, etc.). 4.
Apresentação da solicitação com a documentação completa. |
Marcos Temporais |
O
pedido de repactuação só pode ser solicitado após o interregno mínimo de 12
meses, contados da data da apresentação da proposta ou da data do último
reajuste/repactuação. |
Formalização |
O
processo deve ser formalizado mediante a apresentação de um requerimento
da contratada à Administração Pública, acompanhado de toda a documentação
comprobatória (convenções coletivas, planilhas de custos atualizadas, etc.).
A análise e a decisão da Administração devem ser formalizadas por meio de processo
administrativo com parecer técnico. |
Efeitos Práticos |
Não
possui efeito retroativo. Os novos valores passam a vigorar a partir da data do requerimento de
repactuação, desde que este seja protocolado após o interregno de 12 meses. A
implementação dos novos valores depende da análise e da aprovação da
Administração, resultando em um termo aditivo ou em outro documento
que formalize a alteração (termo de apostilamento, p. ex.). |
Sobre o assunto, vide:
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