terça-feira, 20 de maio de 2025

Revogação e anulação de licitação

 


A decisão de desfazer um processo licitatório não é trivial e só se justifica mediante o surgimento de novas circunstâncias que evidenciem que a concretização da contratação almejada deixou de atender ao interesse público, tornando-se desvantajosa ou inadequada ou mediante a identificação de algum vício INSANÁVEL. Em outras palavras, a administração pública não pode simplesmente desistir de uma licitação em andamento sem apresentar motivos concretos e posteriores ao início do certame que demonstrem a mudança na avaliação da conveniência, da oportunidade ou da legalidade da contratação.

A Administração Pública deve anular a licitação, por provocação de terceiros ou por ato próprio, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado, quando constatado algum vício INSANÁVEL no edital ou no procedimento. De outro lado, deverá revogá-la por razões de interesse público superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta (interesse público ≠ interesse do administrador público). Tanto a anulação como a revogação, portanto, somente serão lícitas se devidamente justificadas, se devidamente demonstrado o vício insanável que imponha a anulação ou a razão de interesse público que fundamente a revogação.

 

A mera insatisfação da Administração com o resultado da licitação não autoriza o desfazimento (mediante anulação ou revogação) do procedimento. Assim, importa verificar se a licitação está sendo anulada ou revogada, por exemplo, em razão da inabilitação ou da desclassificação da empresa que o órgão ou entidade gostaria de contratar, ou do êxito de empresa diversa da “escolhida”. Sendo esses os casos, restará caracterizada a ilegalidade dos desfazimentos.


A Administração tem o dever de abster-se de agir impensadamente, descuidadamente ou precipitadamente. Caracteriza-se infração séria aos deveres inerentes à atividade administrativa a ausência da adoção das cautelas indispensáveis à avaliação acerca da necessidade de se revogar ou anular uma licitação.

Quando o Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, identifica que a justificativa para a revogação é vaga, imprecisa e incapaz de explicitar a real necessidade de interromper o processo licitatório, ele possui a prerrogativa de ordenar ao órgão responsável que desfaça a revogação. O objetivo dessa medida é permitir que a licitação prossiga seu curso normal, garantindo a observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade e da eficiência, que regem os procedimentos licitatórios.

Essa diretriz do TCU destaca a importância da transparência e da fundamentação nos atos administrativos, especialmente em processos licitatórios, que envolvem o dispêndio de recursos públicos e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração. A exigência de fatos supervenientes e de uma motivação clara e específica para a revogação, p. ex., visa a evitar decisões arbitrárias ou baseadas em conveniências políticas que possam prejudicar o interesse público e frustrar as expectativas legítimas dos licitantes.

A intervenção do TCU nesse contexto demonstra seu papel crucial como guardião da legalidade e da economicidade na gestão dos recursos públicos. Ao coibir revogações infundadas, o Tribunal contribui para a credibilidade dos processos licitatórios e para a eficiência da administração pública, assegurando que as contratações sejam realizadas de forma transparente e vantajosa para a sociedade.

É importante notar que a superveniência de fatos que justifiquem a revogação deve ser devidamente comprovada e documentada, permitindo o controle tanto interno quanto externo da administração pública. A mera alegação de inconveniência ou inoportunidade, desprovida de elementos concretos, não se sustenta diante da análise dos órgãos de controle.

Em suma, a revogação de uma licitação é uma medida excepcional que exige responsabilidade e transparência por parte da administração pública. A exigência de fatos supervenientes e de uma motivação robusta, conforme destacado pelo TCU, é fundamental para garantir a lisura dos processos licitatórios e a proteção do interesse público.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA – Acórdão TCU nº 63/2023 – Primeira Câmara – Erro Grosseiro

 


“Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, considera-se erro grosseiro (art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 - LINDB) aquele que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que poderia ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância do dever de cuidado. Associar culpa grave à conduta desviante da que seria esperada do homem médio significa tornar aquela idêntica à culpa comum ou ordinária, negando eficácia às mudanças promovidas pela Lei 13.655/2018 na LINDB, que buscaram instituir novo paradigma de avaliação da culpabilidade dos agentes públicos, tornando mais restritos os critérios de responsabilização.” (TCU - Acórdão 63/2023, Primeira Câmara - Relator: BENJAMIN ZYMLER)

 

COMENTÁRIOS:

A jurisprudência em questão toca um ponto central sobre a interpretação restritiva do erro grosseiro, no contexto do poder sancionatório do Tribunal de Contas da União (TCU), com base no art. 28 do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), e as alterações trazidas pela Lei 13.655/2018.

 

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

§ 1º (VETADO).

§ 2º (VETADO).

§ 3º (VETADO).

O texto define o erro grosseiro como aquele que:

* Poderia ser percebido por uma pessoa com diligência abaixo do normal (ou seja, mesmo com baixa atenção);

* Poderia ser evitado por alguém com nível de atenção aquém do ordinário;

* Decorre de grave inobservância do dever de cuidado.

Essa definição tradicional associa o erro grosseiro à culpa grave, ou seja, uma falha evidente e inexcusável.

A lei de 2018 alterou a LINDB justamente para evitar responsabilizações excessivas por erros que não sejam manifestamente graves ou inexcusáveis.

De fato, equiparar erro grosseiro à culpa comum — ou à conduta esperada do "homem médio" — distorce o espírito da Lei nº 13.655/2018, que procurou estabelecer um novo marco para a responsabilização do agente público com base na culpabilidade qualificada, e não ordinária.

A LINDB, ao exigir erro grosseiro ou dolo para responsabilização pessoal, tem por objetivo afastar o risco de punições injustas por simples equívocos administrativos, especialmente em contextos de ambiguidade normativa, escassez de recursos, pressões institucionais ou deficiências estruturais. Trata-se, como você apontou, de um paradigma mais protetivo, voltado à racionalização do controle e à promoção da segurança jurídica.

Nesse sentido, atribuir erro grosseiro a qualquer falha detectável por um agente mediano ou levemente desatento subverte esse avanço legislativo, revivendo práticas de responsabilização automática que a nova LINDB visa justamente superar. 

Nesse sentido dispõe o Acórdão 1.214/2020 do TCU – Plenário, que adota interpretação compatível com o art. 28 da LINDB:

 

“A responsabilização de agente público depende da demonstração de dolo ou erro grosseiro, de modo que não se deve imputar responsabilidade por simples erro ou equívoco administrativo.”

Além disso, a Advocacia-Geral da União (AGU) já se manifestou no sentido de que o erro grosseiro deve ser “manifesto, evidente, e notoriamente contrário ao direito, em termos que não podem ser justificados pela complexidade ou pela dificuldade interpretativa”.

Se o TCU (ou outro órgão) tratar qualquer desvio do padrão médio como "erro grosseiro", estará neutralizando o efeito protetivo da Lei 13.655/2018. A intenção do legislador foi justamente exigir um grau mais elevado de reprovabilidade (como negligência extrema ou imprudência flagrante) para configurar responsabilidade.