A Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime
jurídico das licitações e contratos administrativos, trouxe importantes
inovações quanto à formalização, gestão e execução contratual no âmbito da
Administração Pública. Dentre os diversos mecanismos previstos para conferir
maior agilidade e segurança jurídica à gestão contratual, destaca-se o apostilamento
(também denominado apostila), instituto já consagrado na prática
administrativa e agora expressamente reconhecido pela nova legislação.
1. Conceito e natureza jurídica
O apostilamento é o registro administrativo
simplificado de alterações contratuais unilaterais de natureza objetiva e
automática, que decorrem de fatos previamente conhecidos e formalizados por
documentos oficiais. Trata-se de uma forma de ajuste contratual sem
necessidade de celebração de termo aditivo, utilizada especialmente para modificações
que não envolvam negociação direta entre as partes, tais como alterações de
valor por variação de encargos legais ou atualizações de dados cadastrais da
contratada.
Assim, o apostilamento tem caráter meramente formal,
sem alterar o conteúdo substancial do contrato, e visa apenas registrar
ajustes decorrentes de imposições legais ou administrativas, com o objetivo
de assegurar a continuidade e a regularidade da execução contratual.
2. Previsão legal na Lei nº 14.133/2021
A nova Lei de Licitações dispõe sobre o
apostilamento no seu artigo 136, nos seguintes termos:
“Art. 136.
Registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por
simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes
situações:
I - variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à
repactuação de preços previstos no próprio contrato;
II - atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes
das condições de pagamento previstas no contrato;
III - alterações na razão ou na denominação social do contratado;
IV - empenho de dotações orçamentárias.”
Esse dispositivo reafirma a lógica do apostilamento
como mecanismo célere para ajustes automáticos de valor, especificamente no
caso de reajuste por índice previamente pactuado, como o IPCA, INCC,
IGPM, entre outros.
3. Aplicações práticas
Dentre os exemplos mais comuns de uso do
apostilamento na Administração Pública, destacam-se:
·
Reajuste de preços com base em índice oficial
previamente estipulado no contrato, como previsto no
art. 140, §2º da Lei nº 14.133/2021.
·
Atualização de dados cadastrais da contratada, como
razão social, CNPJ, endereço ou conta bancária.
·
Alteração do responsável técnico da empresa, quando
exigido contratualmente.
·
Ajustes de dotação orçamentária, quando
não implicarem modificação no objeto ou valor do contrato.
·
Atualização do cronograma de desembolso, desde que
não implique alteração de prazo contratual.
Essas hipóteses dispensam o termo aditivo
justamente por não representarem uma negociação entre as partes ou uma
alteração substancial do equilíbrio contratual, mas sim mera formalização de
uma situação já determinada por norma legal, contratual ou fato jurídico
incontroverso.
4. Procedimentos Formais e Requisitos Essenciais
Para que o apostilamento produza efeitos válidos e
esteja em conformidade com os princípios da legalidade, publicidade e
eficiência, recomenda-se que:
1. Haja
registro formal no processo administrativo, com identificação
do motivo e dos documentos de suporte.
2. O ato seja
devidamente motivado, ainda que de forma sucinta, explicitando o
fundamento legal e a vinculação com cláusula contratual, índice econômico ou
documento oficial.
3. Seja dada
ciência à contratada, mesmo quando não se exija a sua anuência.
4. O documento
seja juntado ao contrato original ou inserido nos
sistemas digitais de gestão contratual (e.g., SIASG, Compras.gov, ERP próprio).
5. Haja controle
sequencial de apostilas, preferencialmente numeradas e rubricadas pelas
autoridades competentes.
5. Apostilamento versus termo aditivo
Enquanto o termo aditivo é um instrumento
bilateral, que pressupõe concordância das partes para alterar cláusulas
contratuais relevantes (objeto, valor, prazo, condições de execução etc.), o apostilamento
é um ato unilateral da Administração, com finalidade apenas de registrar
ajustes automáticos ou meramente formais, sem necessidade de renegociação, de
registrar os resultados da aplicação das cláusulas e condições inicialmente
ajustadas (já previstas no contrato) ou, ainda, de registrar pequenas
alterações que não provoquem impacto no conteúdo do ajuste.
Essa distinção é essencial para garantir a segurança
jurídica e a economicidade dos contratos administrativos, evitando a
banalização dos aditivos e promovendo uma gestão contratual mais eficiente.
6. Distinção Técnica: Apostilamento x Termo Aditivo
É essencial delimitar os contornos entre o apostilamento
e o termo aditivo, para evitar vícios formais e desvio de finalidade:
Aspecto |
Apostilamento |
Termo Aditivo
|
Natureza jurídica |
Ato administrativo unilateral |
Ato bilateral, fruto de negociação entre as partes |
Fundamentação legal |
Art. 136 – Lei nº 14.133/2021 |
Arts. 124 e 132 – Lei nº 14.133/2021 |
Hipóteses de cabimento |
Reajuste automático, atualização cadastral, correções formais |
Revisão de preços, prorrogação de prazos, alteração de objeto |
Exigência de assinatura |
Não requer assinatura da contratada |
Exige a anuência expressa das partes |
Incidência de controle externo |
Menor (desde que corretamente fundamentado) |
Sujeito a maior controle formal e jurídico |
7. Relevância Estratégica para a Gestão Contratual
O apostilamento tem papel fundamental na racionalização
dos processos administrativos, reduzindo o uso excessivo de termos aditivos
e conferindo dinamismo e segurança jurídica às contratações públicas.
Sua correta aplicação evita atrasos, elimina burocracia desnecessária e
fortalece a eficiência da máquina pública.
Ao mesmo tempo, exige discernimento técnico
do gestor ou fiscal de contrato, que deve reconhecer os limites do instituto e
jamais empregá-lo para disfarçar alterações substanciais ou sanar
irregularidades.
Conclusão
O apostilamento, como instituto de simplificação
administrativa, reforça o compromisso da Lei nº 14.133/2021 com a eficiência e
a racionalidade na gestão dos contratos públicos, sendo que o seu uso adequado
contribui para evitar burocracias desnecessárias, sem abrir mão do controle, da
formalidade e da transparência dos atos administrativos. Sua utilização deve
ser feita com precisão cirúrgica: somente nas hipóteses legalmente admitidas,
com rigor documental e atenção aos limites normativos, cabendo aos gestores e
fiscais de contrato conhecer seus limites e possibilidades, aplicando-o com
critério e responsabilidade.
Aplicado corretamente, ele reflete maturidade institucional, domínio da técnica e respeito aos princípios que regem a Administração Pública.