domingo, 23 de novembro de 2025

Como Lidar com Multas Contratuais sem Comprometer Sua Empresa: Um Guia Estratégico para o Contratado

 

A  aplicação   de   multas   contratuais   em contratos administrativos é uma das situações mais delicadas enfrentadas pelas empresas que atuam como fornecedoras do Poder Público. Embora previstas   como   instrumentos   legítimos   de c  oerção  e  de  tutela  do   interesse público, as penalidades   muitas   vezes são utilizadas de forma desproporcional, sem a devida observância aos princípios  do  contraditório,  da  ampla  defesa  e  da  proporcionalidade — ou mesmo sem adequada  fundamentação técnica. Diante desse cenário, o contratado precisa desenvolver  uma postura simultaneamente   jurídica,  estratégica  e  gerencial  para  responder  às autuações  sem comprometer  sua  saúde  financeira, sua  imagem institucional e, sobretudo, sua capacidade de continuar competitiva no mercado de licitações.

Mais do que reagir à penalidade, o desafio real consiste em transformar o episódio em oportunidade de reorganização interna, mitigação de riscos e fortalecimento do compliance contratual. Isso porque a forma como a empresa lida com uma multa — desde a análise do auto de infração até a elaboração das defesas administrativas e eventuais medidas judiciais — determina não apenas o desfecho imediato, mas também sua reputação perante a Administração e sua nota de desempenho em futuros certames, especialmente sob a égide da Lei nº 14.133/2021.

Sobre o assunto, vide:

* Penalidades nas licitações públicas: causas e consequências

 

* A Pena de Multa e o Contrato Administrativo

 

* Aprevisão contratual como requisito indispensável para a aplicação da pena de multa

 

* Anulação judicial de sanção aplicada em sede de licitação

1. A Gênese da Sanção: Entendendo a Natureza da Multa

Para uma defesa eficaz, é imperativo compreender a base legal da sanção. Nos contratos administrativos, a multa é a sanção pecuniária mais comum, aplicada em decorrência de inadimplemento contratual — seja por atraso injustificado, inexecução parcial ou total do objeto.

1.1. Multa Moratória vs. Multa Compensatória

O Direito Administrativo, em consonância com o Direito Privado, distingue a natureza da multa, o que impacta diretamente na sua aplicação e cumulação:

Tipo de Multa

Fundamento

Natureza Jurídica

Cumulatividade

Multa de Mora (Atraso)

Atraso injustificado na execução do contrato.

Sancionatória, pelo descumprimento do prazo.

Pode ser cumulada com outras sanções, mas não com rescisão pelo mesmo fato.

Multa Compensatória

Inexecução parcial ou total do contrato, ou outros descumprimentos.

Sancionatória e, em parte, indenizatória (compensação).

Pode ser cumulada com outras sanções.

1.2. Base Legal (Lei nº 8.666/93 e Lei nº 14.133/21)

A legislação de licitações e contratos prevê expressamente a aplicação de multas.

A. Lei nº 8.666/93 (Regime Transitório):

* Art. 86 (Multa de Mora): "O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato."

* Art. 87, Inciso II (Multa por Inexecução): "Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;"

B. Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos):

* Art. 156, Inciso II: "Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções: (...) II – multa;"

* O § 4º do Art. 156 é crucial: "A sanção de multa poderá ser aplicada cumulativamente com as demais sanções."

* O § 9º reforça o princípio da reparação: "A aplicação das sanções previstas no caput deste artigo não exclui, em hipótese alguma, a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública."

2. O Protocolo de Defesa: Tutorial Passo a Passo

O enfrentamento de uma multa deve ser proativo e metódico.

 

Passo 1: Recebimento da Notificação e Análise Preliminar (O Estudo de Caso)

Ao receber a notificação, não se precipite. O primeiro passo é uma análise técnico-jurídica exaustiva:

a) Verificar a Cláusula Contratual/Editalícia: A multa está prevista no instrumento convocatório e no contrato? A taxa percentual está em conformidade com o ato?

b) Identificar o Fato Gerador: Qual é a conduta imputada (atraso, falha, inexecução)?

c) Analisar a Causalidade: A falha é imputável à sua empresa? Houve caso fortuito, força maior, fato do príncipe, ou fato da Administração (como atraso na entrega de local ou de documentos)? Se a inexecução decorre de uma alteração unilateral do contrato pela Administração, pode-se pleitear o equilíbrio econômico-financeiro e afastar a multa.

Exemplo Prático (Fato da Administração): Sua empresa é multada por atraso na entrega de um lote de computadores (multa moratória). Na defesa, demonstra-se que a falha decorreu do atraso na emissão da Ordem de Serviço (OS) pela Administração, que levou 45 dias além do previsto. A tese é de excludente de responsabilidade por fato da Administração.

Passo 2: O Contraditório e a Ampla Defesa

A aplicação de qualquer sanção exige a instauração de um Processo Administrativo Sancionador (PAS), onde o direito ao Contraditório e à Ampla Defesa é sagrado, conforme o Art. 5º, Inciso LV, da Constituição Federal.

* Petição de Defesa: Apresente uma defesa técnica, robusta e documentada, refutando o nexo de causalidade ou a culpabilidade.

* Prova Documental: Anexe todos os documentos que corroborem sua tese (e-mails, relatórios, diários de obra, notas fiscais, etc.).

* Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade: Mesmo que o descumprimento seja reconhecido, a multa deve ser proporcional à gravidade da infração e aos prejuízos causados. Multas que se mostram exorbitantes e desproporcionais ao dano podem ser questionadas (Princípio da Vedação ao Enriquecimento Sem Causa da Administração).

Passo 3: Recurso Administrativo e a Tentativa de Desconstituição

Após a decisão de primeira instância, interponha o Recurso Administrativo no prazo legal de 15 dias úteis, conforme o art. 166 da Lei nº 14.133/2021. O recurso deve:

* Reiterar as Teses de Defesa: Reforçar os argumentos de excludentes ou desproporcionalidade.

* Questionar a Dosimetria da Pena: Argumentar sobre a falta de consideração das circunstâncias atenuantes (ex.: bom histórico da empresa, baixo grau de culpabilidade, rápida tentativa de correção).

Passo 4: Ação Judicial e o Controle de Legalidade

Esgotada a via administrativa, a última alternativa é o Poder Judiciário (Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição - Art. 5º, Inciso XXXV, CF). A ação judicial (geralmente uma Ação Anulatória de Ato Administrativo) deve focar na ilegalidade ou abusividade do ato sancionador.

* Teses de Ilegalidade: Ausência de previsão legal/contratual, vício no processo administrativo, ausência de defesa prévia, ou o cerceamento de defesa.

* Teses de Abusividade/Mérito: Violação da razoabilidade e da proporcionalidade (multa desproporcional ao dano), ou comprovação de excludentes de responsabilidade.

3. O Olhar da Doutrina e da Jurisprudência (Recentes e Verificáveis)

Uma defesa de excelência demanda o respaldo da doutrina especializada e de precedentes judiciais e de controle.

3.1. Visão Doutrinária: O Rigor da Proporcionalidade

Para Marçal Justen Filho (em Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 18ª Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, p. 1198-1200), a aplicação da multa deve observar a justa medida. Ele ressalta que o ato punitivo é vinculado à existência da infração, mas o valor da multa (dentro dos limites contratuais) é discricionário, exigindo motivação e observância aos princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade.

3.2. Jurisprudência do TCU: Dever de Sancionar e Vínculo

O TCU é rigoroso quanto ao dever da Administração de aplicar a sanção, não se tratando de mera discricionariedade:

"O atraso injustificado na execução de obras públicas é ocorrência grave, de maneira que o órgão ou a entidade contratante tem o dever de adotar as medidas cabíveis para aplicar as multas contratuais e demais penalidades previstas em lei, não se tratando de decisão discricionária da Administração." (Acórdão TCU nº 395/2022 – Plenário, Ministro Relator: Vital do Rego).

3.3. Jurisprudência do STJ: O Limite da Multa Exorbitante

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) atua como baluarte contra o excesso, aplicando o princípio da proporcionalidade mesmo no Direito Administrativo:

"O art. 86, da Lei n° 8.666/93, impõe multa administrativa pela mora no adimplemento do serviço contratado por meio de certame licitatório, o que não autoriza sua fixação em percentual exorbitante que importe em locupletamento ilícito dos órgãos públicos... As penas administrativas, da mesma forma que as do direito privado, devem ser moderadas. Não podem ser um instrumento para destruir, para aniquilar o contratante mais fraco." (REsp n° 330.677 - RS (2001/0091240-0 - Julgado em 19/03/2002, Relator: Ministro José Delgado)

4. Quadro-Resumo Estratégico para o Contratado

Fase

Ação Recomendada

Objetivo Estratégico

Base Jurídica de Suporte

Preventiva

Gestão de riscos, documentação detalhada da execução (Diário de Obra, e-mails, atas).

Criar um acervo probatório para justificar eventuais atrasos ou falhas.

Princípio da Boa-Fé (Art. 422, CC) e Dever de Colaboração.

Notificação

Análise imediata e técnica: fato gerador, nexo de causalidade e legalidade da cobrança.

Identificar teses de defesa: Excludentes de Responsabilidade (Fato da Administração, Força Maior) ou Ilegalidade/Vício Formal.

Art. 5º, LV, CF (Contraditório e Ampla Defesa).

Defesa

Apresentação de defesa administrativa robusta, com foco na documentação e nos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade.

Desconstituir a culpabilidade ou reduzir o valor da multa.

Jurisprudência STJ/TCU sobre proporcionalidade e dever de motivação.

Recurso

Recurso administrativo tempestivo, reforçando o mérito da defesa e questionando a dosimetria da sanção.

Reverter a decisão na esfera administrativa, evitando a cobrança.

Art. 166, Lei nº 14.133/2021.

Judicial

Ação Anulatória, se esgotada a via administrativa, focando na ilegalidade do ato ou abusividade do valor.

Controle judicial da legalidade e do mérito do ato administrativo punitivo.

Art. 5º, XXXV, CF (Inafastabilidade da Jurisdição).

5. Conclusão: A Arte de Gerir a Crise Sancionatória

Lidar com multas contratuais não é apenas um desafio de Direito Administrativo; é um teste de gestão empresarial e de inteligência jurídica. O sucesso reside na capacidade de documentar a execução contratual (fase preventiva) e de apresentar uma defesa técnica e fundamentada (fase reativa), capaz de comprovar as excludentes de responsabilidade ou a desproporcionalidade da penalidade.

Sua empresa não deve se resignar à presunção de legalidade do ato administrativo, mas sim, valer-se de todos os instrumentos do Direito para garantir que a sanção aplicada seja justa, legal e proporcional.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Guia Passo a Passo para Solicitar o Reajuste de Preços com Base na Lei nº 14.133/2021


 1. O Ponto de Partida: A Intangibilidade do Equilíbrio Econômico-Financeiro

O direito ao reajustamento é a materialização do princípio da manutenção das condições efetivas da proposta, constitucionalmente assegurado no art. 37, XXI, da Carta Magna. A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC) aprofunda e detalha os mecanismos para preservar esse equilíbrio, distinguindo claramente as espécies de recomposição de preços.

Dentre as espécies de mecanismos destinados a garantir que as condições iniciais da proposta permaneçam inalteradas durante toda a execução contratual, protegendo tanto o interesse público quanto o direito do contratado, podemos citar: a) reajuste de preços; b) repactuação de preços; c) revisão de preços.

Característica

Reajuste de Preços (Em Sentido Estrito)

Repactuação

Revisão de Preços (Reequilíbrio)

Objeto/Finalidade

Correção da inflação (desvalorização da moeda).

Correção da variação dos custos de contratação, especialmente mão de obra.

Recomposição do equilíbrio por fatos supervenientes e extraordinários.

Contratos Aplicáveis

Todos os contratos com duração igual ou superior a 1 ano.

Contratos de serviços contínuos com dedicação/predominância de mão de obra.

Todos os contratos (em regra).

Periodicidade

Mínimo de 1 ano (Contado da data da proposta ou do último reajuste/revisão).

Mínimo de 1 ano (Contado da data-base da categoria ou da última repactuação/proposta).

Não possui periodicidade mínima. É cabível a qualquer tempo após o evento desequilibrador.

Fato Gerador

Inflação (Fato Previsível).

Aumento de custos, principalmente salariais (Fato Previsível).

Fatos Imprevisíveis ou Previsíveis de Consequências Incalculáveis (ou Fato do Príncipe/da Administração).

Metodologia

Aplicação de Índice de Preços (previsto no contrato).

Demonstração Analítica da variação dos custos (Planilha de Custos).

Comprovação do nexo causal e do impacto financeiro do evento extraordinário.

Lei nº 14.133/2021 (NLLC)

Art. 6º, LVIII; art. 25, § 7º; art. 135, § 3º.

Art. 6º, LIX; art. 135.

Art. 124, II, “d”.

 

A revisão é o único instituto que pode ser pleiteado a qualquer momento, desde que comprovada a ocorrência de um fato extraordinário.

O sucesso na gestão contratual depende, em grande parte, da correta identificação da causa do desequilíbrio para acionar o mecanismo adequado.

Sobre o assunto, vide:

* Reajustee Recomposição em Contratos Administrativos

 

* Apartir de qual marco temporal deverá ser contada a aplicação de índices dereajuste em contratos administrativos?

 

* Reajustecontratual com prazo contado da assinatura do contrato - Irregularidade

 

* Reajustex Recomposição

 

* Acláusula de equilíbrio econômico-financeiro: como utilizá-la?

 

* Serviçocontínuo - Prorrogação - Repactuação - Reequilíbrio

 

* Reequilíbrioeconômico-financeiro - Demonstração dos pressupostos

 

* Roteiropara Repactuação de Preços: Um Guia Passo a Passo

2. A Pré-Análise: Requisitos Iniciais de Admissibilidade para o Reajuste de Preços

Antes de formalizar qualquer solicitação, a Contratada deve verificar o preenchimento dos seguintes requisitos, sem os quais o pleito será inviável:

2.1. O Princípio da Anualidade (Lei nº 10.192/2001 e NLLC)

O reajustamento (seja por índice ou repactuação) é admitido apenas em contratos com prazo de duração igual ou superior a um ano. O marco inicial para a contagem desse período (data-base) é crucial e está definido no art. 25, § 8º, inciso I, da NLLC:

Lei nº 14.133/2021, art. 25, § 8º, I:

“Art. 25. O edital de licitação e o aviso ou instrumento de contratação direta, conforme o caso, são de observância obrigatória e deverão ser prontamente divulgados e estar disponíveis em sua integralidade.

(...)

§ 8º O prazo de que trata o § 7º deste artigo [obrigação de cláusula de reajuste] será contado:

I - da data da apresentação da proposta, para os reajustes de preços ou a repactuação de preços, conforme o caso;

(...)”

Assim, por exemplo, se a proposta foi apresentada em 15/03/2024, a Contratada só poderá solicitar o reajuste a partir de 15/03/2025.

2.2. A Previsão no Contrato (Cláusula Necessária)

O direito ao reajuste deve estar expresso no edital e no contrato, sendo considerado uma cláusula necessária. O art. 92, inciso V, da NLLC é categórico:

Lei nº 14.133/2021, art. 92, V:

“Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:

(...)

V - o preço e as condições de pagamento, os critérios, a data-base e a periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;

(...)”

3. PASSO A PASSO PARA SOLICITAR O REAJUSTE DE PREÇOS (Duas Hipóteses Distintas)

O rito processual varia significativamente conforme a modalidade do reajuste.

* Hipótese A: Reajuste em Sentido Estrito (Contratos de Fornecimento e Serviços Comuns)

Esta modalidade é mais simples e objetiva.

Passo

Ação da Contratada

Requisitos e Fundamento

1.

Verificação da Data-Base

Completados 12 meses da data da apresentação da proposta. (art. 25, § 8º, I, NLLC).

2.

Cálculo da Variação

Aplicar o índice de correção monetária previsto expressamente no contrato (ex.: IPCA, IGP-M, índices setoriais). O índice deve refletir a variação efetiva do custo de produção. (art. 6º, LVIII, NLLC).

3.

Formalização do Pedido

Protocolar requerimento formal junto ao Gestor/Fiscal do Contrato, anexando a planilha de cálculo demonstrando a aplicação do índice sobre o valor contratual.

4.

Decisão e Formalização

O reajuste, se devido, será concedido pela Administração. A formalização é feita por simples apostilamento (registro), dispensando termo aditivo. (art. 136, I, NLLC).

 

Doutrina Aplicável (Reajuste em Sentido Estrito):

"O reajuste em sentido estrito, por sua natureza, tem aplicação automática – não, necessariamente, de ofício, mas automática no sentido de que dispensa maiores investigações fáticas, limitando-se à aplicação do índice preestabelecido ao valor contratual." — MARÇAL JUSTEN FILHO, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Thomson Reuters Brasil, 2ª Edição, 2023, p. 1098.

* Hipótese B: Repactuação (Contratos de Serviços Contínuos com Dedicação Exclusiva de Mão de Obra)

Esta hipótese exige maior rigor analítico e comprovação.

Passo

Ação da Contratada

Requisitos e Fundamento

1.

Verificação da Data-Base

O prazo de 12 meses é contado a partir: (a) da data da proposta; ou (b) da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho (CCT/ACT/DCT) que gerou o aumento de custo (o que for mais vantajoso, em regra, para cada parcela do custo – mão de obra e insumos). (art. 135, § 1º, NLLC).

2.

Elaboração da Demonstração Analítica

Refazer a planilha de custos e formação de preços (PCFP), demonstrando, item a item (salários, encargos, insumos, etc.), a variação dos custos desde a última data-base. (art. 135, § 1º e § 2º, NLLC).

3.

Anexar Comprovação Documental

Juntar cópia da nova CCT/ACT/DCT, com o protocolo de registro no órgão competente (se o pleito for por aumento de mão de obra), ou notas fiscais e cotações de mercado (se o pleito for por variação de insumos).

4.

Formalização do Pedido

Protocolar o requerimento formal (protocolo é essencial) junto à Administração, anexando a nova planilha de custos e formação de preços (PCFP) e a documentação comprobatória.

5.

Decisão, Negociação e Formalização

A Administração analisará a PCFP. A repactuação pode ser concedida em tantas parcelas quantas forem necessárias. A formalização é feita por simples apostilamento (art. 136, I, NLLC).

4. Estrutura e Formalidades do Requerimento

a) Cabeçalho e Endereçamento:

* Identificação do Órgão/Setor Destinatário: Direcionar à autoridade ou setor competente (Ex: Secretário, Pró-Reitor, Setor de Contratos, Departamento de Licitações).

* Identificação do Processo: Mencionar o número do Processo Administrativo, do Processo Licitatório, do Contrato Administrativo e, se for o caso, da Ata de Registro de Preços (ARP).

* Assunto Claro: Ex: "Requerimento de Reajuste Contratual – Contrato n.º [Número] – [Objeto do Contrato]".

* Identificação Completa do Contratado: Razão Social, CNPJ, Endereço, Nome e Cargo do Representante Legal e informações de contato.

b) Exposição dos Fatos (Breve Histórico):

* Data da assinatura do contrato.

* Objeto do contrato.

* Valor original do contrato e, se houver, o valor após o último reajuste/repactuação/revisão.

* Cláusula Contratual: Citar expressamente a cláusula do contrato/edital que prevê o reajuste, a periodicidade e o índice aplicável.

* Data-Base: Indicar a data-base que servirá de marco inicial para o cálculo (geralmente a data da apresentação da proposta ou do último reajuste/repactuação).

c) Fundamentação Legal e Contratual (O Coração do Pedido):

* Fundamento Legal: Citar a lei aplicável (Ex: Art. 92, § 6º, c/c Art. 135 da Lei n.º 14.133/2021; ou Art. 40, XI, e Art. 55, III, da Lei n.º 8.666/93).

* Natureza do Pedido: Deixar claro se é:

- Reajuste em Sentido Estrito: Aplicação de índice de correção monetária (periodicidade mínima anual).

- Repactuação: Exclusivo para serviços contínuos com dedicação ou predominância de mão de obra, com base na demonstração analítica da variação de custos (dissídio coletivo, convenções, etc.).

- Revisão/Reequilíbrio Econômico-Financeiro: Necessidade de restabelecer a relação inicial em razão de fatos imprevisíveis, supervenientes, extraordinários e extracontratuais (Ex: aumento desproporcional de insumos, "Fato do Príncipe"). Neste caso, a fundamentação e a prova dos fatos devem ser muito mais robustas.

d) Demonstração do Cálculo (Essencial para Deferimento):

* Índice Aplicado: Mencionar o índice utilizado (Ex: IPCA, INPC, IGP-M, ou índice setorial) conforme o contrato.

* Período de Incidência: Indicar o período de 12 meses (ou outro prazo contratual) sobre o qual o índice foi aplicado (data-base inicial a data-base final).

* Cálculo Acumulado: Apresentar o percentual de variação acumulado do índice no período.

* Planilha Detalhada: Anexar planilha demonstrando:

- Valor original (ou reajustado) a ser corrigido.

- Percentual de reajuste.

- Cálculo do valor corrigido (novo valor).

e) O Pedido (Claro e Objetivo):

* Requerer a aplicação do reajuste de preços no percentual de [XX,XX%] sobre o valor contratual/serviço, com o consequente apostilamento do contrato ou celebração de Termo Aditivo, a partir da data devida.

* Informar o novo valor global e unitário (se for o caso) do contrato/serviço.

5. O Aspecto Jurisprudencial: A Dificuldade da Data-Base na Repactuação

A jurisprudência tem consolidado a premissa de que a repactuação só é devida mediante a comprovação analítica e que o marco temporal não é a celebração do contrato, mas a data dos custos apresentados na proposta ou no CCT.

Como a Lei nº 14.133/2021 é recente e a jurisprudência para contratos regidos exclusivamente por ela ainda está em fase de consolidação (os Tribunais ainda lidam majoritariamente com a Lei nº 8.666/93), citaremos um julgado fundamental do TCU, aplicável por analogia e que estabelece a regra da data-base, reiterada na NLLC.

Tribunal de Contas da União (TCU) - Regra da Data-Base (Aplicável à NLLC)

"9.1.3 - no caso da primeira repactuação dos contratos de prestação de serviços de natureza contínua, o prazo mínimo de um ano a que se refere o item 8.1 da Decisão 457/1995 - Plenário conta-se a partir da apresentação da proposta ou da data do orçamento a que a proposta se referir, sendo que, nessa última hipótese, considera-se como data do orçamento a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta, vedada a inclusão, por ocasião da repactuação, de antecipações e de benefícios não previstos originariamente, nos termos do disposto no art. 5º do Decreto 2.271/97 e do item 7.2 da IN/Mare 18/97; " (Acórdão 1.827/2008, Plenário – Ministro Relator: Augusto Nardes)

6. A Formalização do Reajuste por Meio do Apostilamento

O apostilamento é um instrumento jurídico-administrativo que representa a maneira simplificada de formalizar registros em um contrato que não alteram sua essência ou suas bases contratuais (o seu equilíbrio inicial), mas que são necessários para a continuidade da execução.

1. Fundamento Legal (Lei nº 14.133/2021)

O uso do apostilamento para o reajuste de preços está expressamente previsto na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC):

“Art. 136. Registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes situações:

I – variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato;

(...)”

2. A Natureza do Ato: Ato Unilateral e Registral

O apostilamento possui características distintas de um Termo Aditivo:

Característica

Apostilamento

Termo Aditivo

Natureza do Ato

Registral / Anotativo. É um registro administrativo.

Negocial / Alterador. Representa nova manifestação de vontade das partes.

Objeto

Formaliza condições já previstas no contrato (cláusulas de reajuste).

Formaliza alterações ou novas condições (ex.: prorrogação de prazo, acréscimo/supressão de objeto, Revisão de Preços).

Reajuste

Sim. O Reajuste (e a Repactuação) é o principal caso de apostilamento.

Não. Não é o instrumento adequado, a menos que o aditivo trate de outros temas (e o reajuste seja incluído por conveniência).

Manifestação de Vontade

Unilateral da Administração. Não exige nova concordância formal do Contratado, pois apenas aplica o que já foi acordado.

Bilateral (acordo mútuo), exigindo assinatura de ambas as partes.

3. Justificativa Jurídica: Aplicação de Regras Preestabelecidas

O motivo pelo qual o reajuste é formalizado por apostila é de ordem lógica e jurídica:

  • Fato Previsível: O reajuste em sentido estrito (por índice) lida com a inflação, um fato econômico previsto e aceito desde a assinatura do contrato.
  • Fórmula Fixa: A correção é feita pela aplicação automática de um índice (ex: IPCA) sobre o valor contratual, conforme uma fórmula de cálculo que já está expressa e validada na cláusula de reajuste do contrato.
  • Ausência de Modificação: Não há alteração das cláusulas econômico-financeiras, mas apenas o cumprimento delas. A Administração está apenas certificando o novo valor nominal que resulta da aplicação da regra previamente pactuada.

4. Aplicação Prática

Na prática, o apostilamento é um documento simples, emitido pela área de gestão de contratos da Administração (dispensando, em muitos casos, nova análise jurídica prévia, por não alterar as bases contratuais) que deve conter:

  1. A menção ao Contrato principal (número e objeto).
  2. A indicação do período a ser reajustado (garantindo a anualidade).
  3. O índice aplicado e seu percentual.
  4. O cálculo que resulta no novo valor contratual (detalhamento).
  5. O fundamento legal (art. 136, I, da Lei nº 14.133/2021).

Em suma, o apostilamento confere agilidade e desburocratização à gestão contratual, reservando a forma mais solene e complexa do Termo Aditivo apenas para as modificações que realmente impactam a substância e o equilíbrio inicial do pacto.

Sobre o assunto, vide:

* Apostilamentona Lei nº 14.133/2021: Conceito, Fundamentos e Aplicações Práticas

 

* TermoAditivo e Apostila. Distinções. Hipóteses de Cabimento.

7. FLUXOGRAMA DE DECISÃO: QUAL MECANISMO UTILIZAR?

 

    A [Início: O Contrato completou 12 meses da data da Proposta?] -->|Não| B (Aguardar o prazo mínimo de 1 ano);

    A -->|Sim| C {Trata-se de Serviço Contínuo com Dedicação Exclusiva de Mão de Obra?};

    C -->|Sim (Repactuação)| D (HIPÓTESE B: Repactuação);

    C -->|Não (Reajuste)| E (HIPÓTESE A: Reajuste em Sentido Estrito);

   

    E --> F [Verificar Índice Contratual e Aplicar Variação];

    F --> G (Protocolar Pedido com Planilha de Cálculo);

    G --> H (Administração Formaliza por Apostilamento);

    H --> I (FIM - Reajuste por Índice);

   

    D --> J [Obter Novo CCT/ACT e/ou Comprovação de Insumos];

    J --> K (Refazer Planilha de Custos e Formação de Preços - PCFP);

    K --> L (Protocolar Pedido com PCFP e CCT/ACT);

    L --> M (Administração Analisa Analiticamente e Formaliza por Apostilamento);

    M --> N (FIM - Repactuação);

   

    O {Houve Fato Imprevisível/Extraordinário (Ex: Mudança de Alíquota Tributária, Pandemia, Guerra)?} -->|Sim (Revisão)| P (Revisão/Recomposição: art. 131 NLLC);

    P --> Q (Protocolar Pedido a Qualquer Tempo, Comprovando o Nexo Causal e o Impacto Financeiro);

    Q --> R (FIM - Revisão);

   

    A --> O;

    O -->|Não| S (Continuar Monitorando Data-Base);

8. O Alerta Final

Preclusão do Direito: Embora o direito ao reajuste/repactuação seja legal, a solicitação não é automática. A Contratada tem o ônus de formalizar o pedido. A jurisprudência, sob a égide da legislação anterior, já alertava que a omissão na solicitação por parte da Contratada, especialmente em repactuações, poderia levar à preclusão do direito ou, no mínimo, a sérios questionamentos.

Retroatividade: Em regra, a Administração só pode conceder o reajuste/repactuação com efeitos financeiros a partir da data do protocolo da solicitação da Contratada, e nunca de forma retroativa à data-base anterior. A exceção a essa regra é a repactuação, onde os efeitos financeiros podem retroagir à data da nova CCT/ACT, desde que o pedido tenha sido protocolado antes da prorrogação contratual.

A excelência na gestão contratual exige a perfeita sincronia entre o conhecimento técnico-jurídico, a acurácia dos cálculos e a observância dos prazos e ritos processuais, conforme desenhado pela Nova Lei.