quinta-feira, 3 de julho de 2025

Apostilamento na Lei nº 14.133/2021: Conceito, Fundamentos e Aplicações Práticas

 


A Lei nº 14.133/2021, que institui o novo regime jurídico das licitações e contratos administrativos, trouxe importantes inovações quanto à formalização, gestão e execução contratual no âmbito da Administração Pública. Dentre os diversos mecanismos previstos para conferir maior agilidade e segurança jurídica à gestão contratual, destaca-se o apostilamento (também denominado apostila), instituto já consagrado na prática administrativa e agora expressamente reconhecido pela nova legislação.

 

1. Conceito e natureza jurídica

 

O apostilamento é o registro administrativo simplificado de alterações contratuais unilaterais de natureza objetiva e automática, que decorrem de fatos previamente conhecidos e formalizados por documentos oficiais. Trata-se de uma forma de ajuste contratual sem necessidade de celebração de termo aditivo, utilizada especialmente para modificações que não envolvam negociação direta entre as partes, tais como alterações de valor por variação de encargos legais ou atualizações de dados cadastrais da contratada.

 

Assim, o apostilamento tem caráter meramente formal, sem alterar o conteúdo substancial do contrato, e visa apenas registrar ajustes decorrentes de imposições legais ou administrativas, com o objetivo de assegurar a continuidade e a regularidade da execução contratual.

 

2. Previsão legal na Lei nº 14.133/2021

 

A nova Lei de Licitações dispõe sobre o apostilamento no seu artigo 136, nos seguintes termos:

 

“Art. 136. Registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes situações:

I - variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato;

II - atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato;

III - alterações na razão ou na denominação social do contratado;

IV - empenho de dotações orçamentárias.”

 

Esse dispositivo reafirma a lógica do apostilamento como mecanismo célere para ajustes automáticos de valor, especificamente no caso de reajuste por índice previamente pactuado, como o IPCA, INCC, IGPM, entre outros.

 

3. Aplicações práticas

 

Dentre os exemplos mais comuns de uso do apostilamento na Administração Pública, destacam-se:

 

·       Reajuste de preços com base em índice oficial previamente estipulado no contrato, como previsto no art. 140, §2º da Lei nº 14.133/2021.

·       Atualização de dados cadastrais da contratada, como razão social, CNPJ, endereço ou conta bancária.

·       Alteração do responsável técnico da empresa, quando exigido contratualmente.

·       Ajustes de dotação orçamentária, quando não implicarem modificação no objeto ou valor do contrato.

·       Atualização do cronograma de desembolso, desde que não implique alteração de prazo contratual.

 

Essas hipóteses dispensam o termo aditivo justamente por não representarem uma negociação entre as partes ou uma alteração substancial do equilíbrio contratual, mas sim mera formalização de uma situação já determinada por norma legal, contratual ou fato jurídico incontroverso.

 

4. Procedimentos Formais e Requisitos Essenciais

 

Para que o apostilamento produza efeitos válidos e esteja em conformidade com os princípios da legalidade, publicidade e eficiência, recomenda-se que:

 

1.   Haja registro formal no processo administrativo, com identificação do motivo e dos documentos de suporte.

2.   O ato seja devidamente motivado, ainda que de forma sucinta, explicitando o fundamento legal e a vinculação com cláusula contratual, índice econômico ou documento oficial.

3.   Seja dada ciência à contratada, mesmo quando não se exija a sua anuência.

4.   O documento seja juntado ao contrato original ou inserido nos sistemas digitais de gestão contratual (e.g., SIASG, Compras.gov, ERP próprio).

5.   Haja controle sequencial de apostilas, preferencialmente numeradas e rubricadas pelas autoridades competentes.

 

5. Apostilamento versus termo aditivo

 

Enquanto o termo aditivo é um instrumento bilateral, que pressupõe concordância das partes para alterar cláusulas contratuais relevantes (objeto, valor, prazo, condições de execução etc.), o apostilamento é um ato unilateral da Administração, com finalidade apenas de registrar ajustes automáticos ou meramente formais, sem necessidade de renegociação, de registrar os resultados da aplicação das cláusulas e condições inicialmente ajustadas (já previstas no contrato) ou, ainda, de registrar pequenas alterações que não provoquem impacto no conteúdo do ajuste.

 

Essa distinção é essencial para garantir a segurança jurídica e a economicidade dos contratos administrativos, evitando a banalização dos aditivos e promovendo uma gestão contratual mais eficiente.

 

6. Distinção Técnica: Apostilamento x Termo Aditivo

 

É essencial delimitar os contornos entre o apostilamento e o termo aditivo, para evitar vícios formais e desvio de finalidade:

 

 

Aspecto

 

Apostilamento

 

Termo Aditivo

 

Natureza jurídica

Ato administrativo unilateral

Ato bilateral, fruto de negociação entre as partes

Fundamentação legal

Art. 136 – Lei nº 14.133/2021

Arts. 124 e 132 – Lei nº 14.133/2021

Hipóteses de cabimento

Reajuste automático, atualização cadastral, correções formais

Revisão de preços, prorrogação de prazos, alteração de objeto

Exigência de assinatura

Não requer assinatura da contratada

Exige a anuência expressa das partes

Incidência de controle externo

Menor (desde que corretamente fundamentado)

Sujeito a maior controle formal e jurídico

 

7. Relevância Estratégica para a Gestão Contratual

 

O apostilamento tem papel fundamental na racionalização dos processos administrativos, reduzindo o uso excessivo de termos aditivos e conferindo dinamismo e segurança jurídica às contratações públicas. Sua correta aplicação evita atrasos, elimina burocracia desnecessária e fortalece a eficiência da máquina pública.

 

Ao mesmo tempo, exige discernimento técnico do gestor ou fiscal de contrato, que deve reconhecer os limites do instituto e jamais empregá-lo para disfarçar alterações substanciais ou sanar irregularidades.

 

Conclusão

 

O apostilamento, como instituto de simplificação administrativa, reforça o compromisso da Lei nº 14.133/2021 com a eficiência e a racionalidade na gestão dos contratos públicos, sendo que o seu uso adequado contribui para evitar burocracias desnecessárias, sem abrir mão do controle, da formalidade e da transparência dos atos administrativos. Sua utilização deve ser feita com precisão cirúrgica: somente nas hipóteses legalmente admitidas, com rigor documental e atenção aos limites normativos, cabendo aos gestores e fiscais de contrato conhecer seus limites e possibilidades, aplicando-o com critério e responsabilidade.

 

Aplicado corretamente, ele reflete maturidade institucional, domínio da técnica e respeito aos princípios que regem a Administração Pública.

 


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