No contexto das licitações, a distinção entre erro material e erro formal é a chave para compreender quais falhas podem ser corrigidas e quais podem levar à desclassificação ou anulação de um ato.
O erro material
é um equívoco de conteúdo, um lapso evidente que não altera o mérito da
proposta ou do ato. Ele é um deslize trivial que pode ser corrigido sem
modificar a essência do que foi apresentado. Imagine um erro de digitação em um
número, uma informação incompleta que pode ser facilmente suprida ou um cálculo
numérico incorreto que não muda o resultado final da proposta. É uma falha que
não viola a competitividade ou a igualdade entre os licitantes.
O erro formal
está ligado à forma do ato. Ele diz respeito ao descumprimento de uma
exigência legal ou de uma formalidade exigida no edital. Um erro formal afeta a
maneira como o ato foi praticado, mas não necessariamente seu conteúdo. Por
exemplo, a falta de uma assinatura exigida em um documento, a ausência de um
documento de habilitação ou a apresentação de uma proposta em formato diferente
do exigido. Esses erros podem comprometer a validade do ato, pois a forma, no
caso das licitações, é um requisito essencial para a garantia da isonomia e da
legalidade.
O Princípio
da Instrumentalidade das Formas em Licitações
A instrumentalidade
das formas consagra a ideia de que o processo licitatório não é uma
armadilha formalista. O que se busca não é a perfeição absoluta dos documentos,
mas a eficiência do certame, a preservação da competitividade e a
obtenção da melhor proposta.
O próprio Tribunal
de Contas da União (TCU) tem reiterado que vícios meramente formais ou
materiais sanáveis não podem ensejar a eliminação de propostas, sob pena de
afronta à ampla competitividade. A exclusão de licitantes deve ocorrer apenas
quando o erro:
1) Afetar o conteúdo essencial da
proposta;
2) Comprometer a igualdade entre
os participantes;
3) Impedir a verificação da
exequibilidade ou da habilitação.
A distinção entre
erros materiais e formais nos leva a um dos pilares do Direito Administrativo:
o princípio da instrumentalidade das formas. Esse princípio prega que a forma
do ato é um instrumento para atingir sua finalidade, e não um fim em si
mesma.
A Relação
com Erros Material e Formal
O princípio da
instrumentalidade das formas atua como um corretivo para o rigor excessivo. Ele
permite que atos com defeitos menores sejam aproveitados em vez de anulados,
desde que o objetivo essencial da licitação (obter a melhor proposta, garantir
a isonomia) seja mantido. Anular um ato por um mero erro formal, que não causou
dano ou prejuízo à competitividade, seria um desperdício de tempo e recursos
públicos.
Nos erros materiais, a instrumentalidade das formas
permite a correção
imediata, pois o vício não compromete a vontade.
Nos erros formais,
a instrumentalidade das formas possibilita que se aceite o documento ou ato,
mesmo que a forma não seja a exata prevista no edital, desde que a finalidade
esteja atendida.
O Princípio
da Instrumentalidade Pode Sanar Erros Materiais e Formais?
Sim, mas com uma
distinção importante.
* Erros
materiais podem ser sanados de forma mais simples e direta. A instrumentalidade
aqui reforça a ideia de que a correção de um lapso trivial, que não afeta a
substância, não prejudica o certame.
* O Erro material
quase sempre pode ser corrigido, porque não altera a essência da proposta ou da
habilitação.
* Erros
formais são o verdadeiro campo de aplicação desse princípio. Se a falta de uma
formalidade, como a ausência de um carimbo, não prejudicou a validade e a
finalidade da licitação, o princípio permite que o ato seja aproveitado. No
entanto, é fundamental que a formalidade não seja considerada essencial ou
insubstituível.
* O Erro formal
pode ser sanado quando o documento ou informação cumpre sua finalidade, mesmo
que em forma diversa da exigida.
❌ Mas há limites: a
instrumentalidade não pode ser usada para convalidar ilegalidades graves,
como ausência de documento essencial, fraude, ou descumprimento substancial do
edital.
O erro material, por sua natureza, quase nunca leva à nulidade,
porque ele não
compromete a essência do ato administrativo.
👉 Em regra,
trata-se de falha mecânica, aritmética, de digitação ou de lapso que
pode ser corrigida pela própria Administração, de ofício ou a pedido do
interessado, sem afetar a validade.
O erro formal pode ou não gerar nulidade, a depender de sua gravidade
e de sua relação
com a finalidade do ato.
👉 O ponto
central é: o erro formal pode ser tolerado ou sanado quando a finalidade do
ato é atingida.
* Erro material
→ em regra corrigido de imediato, sem maiores discussões; raramente depende da
instrumentalidade.
* Erro formal
→ aqui o princípio da instrumentalidade das formas
é aplicado de forma decisiva, servindo como critério para diferenciar falhas
sanáveis de nulidades insanáveis.
Exemplos
Práticos em Licitações e Contratos
❌
Erros materiais que PODEM
ser sanados em uma licitação:
1) Erro de
digitação no nome da empresa: Uma letra trocada
no nome do licitante ou em sua razão social. A correção é simples e não altera
a identidade da empresa nem o conteúdo da proposta.
2) Erro em
um cálculo aritmético simples: Equívoco na soma,
subtração, multiplicação ou divisão de valores dentro de uma planilha de
preços. A correção se baseia no princípio de que a intenção do licitante era
apresentar o valor correto e que o erro foi apenas um lapso.
3) Valor
numérico divergente do valor por extenso: Quando o valor
escrito em números não corresponde ao valor escrito por extenso. O valor por
extenso geralmente prevalece, pois é considerado a manifestação mais clara da
vontade do licitante.
4) Omissão
de vírgula ou ponto em um valor: Um valor como
"120000" em vez de "120.000,00". A correção é permitida
desde que a intenção original seja evidente e não cause dúvidas.
5) Data de
validade de um documento com erro de ano: Um documento que,
por erro de digitação, está com a data de validade para o ano de 2024 em vez de
2025. Se a validade real for a correta e o erro for óbvio, pode ser sanado.
6) Erro na
unidade de medida: Quando o licitante indica "litros" em
vez de "metros cúbicos", mas a descrição do objeto da proposta deixa
claro o item a ser fornecido. A correção se baseia no entendimento de que a
intenção era a unidade correta.
7) Número
de CNPJ com um dígito trocado: Um erro de
digitação de um ou dois dígitos no número do Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica, que pode ser facilmente verificado com a consulta aos documentos de
habilitação.
8) Inconsistência
entre o cronograma físico e o cronograma financeiro: Pequenas
divergências nas datas ou valores entre os dois cronogramas. A correção é
possível se a intenção da proposta for clara e o erro não afetar o escopo do
objeto.
9) Erro de
preenchimento em uma planilha de composição de custos: Uma
pequena inconsistência entre o valor unitário e o total de um item, desde que o
valor total da proposta seja o correto.
10) Apresentação
de atestado de capacidade técnica com data incorreta: Se a data
de emissão do atestado estiver com um erro de digitação, mas for possível
verificar sua validade e autenticidade.
❌
Erros materiais que geralmente NÃO podem ser sanados:
1) Diferença
entre o preço unitário e o preço total da proposta que altera o valor global
final: Quando a soma dos itens unitários não corresponde ao valor total e essa
diferença é substancial, pode-se presumir que a intenção da proposta não é
clara. Sanar esse erro poderia alterar significativamente a classificação da
empresa, quebrando a isonomia com os demais participantes.
2) Proposta
de preço acima do valor máximo estipulado no edital: O edital é
a lei da licitação. Se a proposta de preço excede o limite máximo estabelecido,
a correção não é possível, pois a empresa já está, de partida, em desacordo com
uma regra fundamental do certame.
3) Apresentação
de atestado de capacidade técnica de uma pessoa jurídica que não a licitante: A
comprovação da capacidade técnica é um requisito de habilitação intransponível.
A apresentação de um atestado de outra empresa, mesmo que pertencente ao mesmo
grupo econômico, não pode ser corrigida, pois a comprovação é específica para a
licitante.
4) Inclusão
de condições ou termos na proposta que não foram previstos no edital: A proposta
deve seguir estritamente as especificações do edital. Adicionar cláusulas ou
condições que alterem o objeto ou as regras do fornecimento não é um erro
sanável, pois modifica a proposta original e quebra a isonomia.
5) Apresentação
de documento de habilitação com prazo de validade vencido: Documentos
como certidões negativas de débitos ou de regularidade fiscal têm prazos de
validade específicos. A apresentação de um documento vencido não pode ser
corrigida após a abertura dos envelopes, pois a situação de regularidade da
empresa precisa ser comprovada no momento da sessão.
6) Falha na
assinatura eletrônica de um documento que a invalida: Em
licitações eletrônicas, a validade da assinatura digital é crucial para
garantir a autenticidade do documento. Se a assinatura eletrônica falha ou é
inválida, o documento é considerado não apresentado, e a correção não é
permitida.
7) Erro de
identificação do objeto da licitação que torna a proposta ininteligível: Se a
descrição do objeto na proposta for tão vaga ou errada que não é possível
determinar o que a empresa está oferecendo, o erro não pode ser sanado.
8) Proposta
de preço em moeda estrangeira quando o edital exige em moeda nacional: O
descumprimento de uma regra tão fundamental do edital, como a moeda em que a
proposta deve ser apresentada, é um erro substancial que não pode ser
corrigido.
9) Ausência
de documento obrigatório de habilitação que não possa ser obtido imediatamente: A falta de
um documento essencial, como o balanço patrimonial ou uma certidão específica,
não é um erro sanável. O licitante é responsável por apresentar a documentação
completa.
10) Apresentação
de proposta com valores inexequíveis: Se a proposta de
preço for considerada inexequível de acordo com os critérios do edital ou da
jurisprudência, a empresa não pode simplesmente corrigir os valores para se
adequar. A inexecução é uma falha intrínseca da proposta, que demonstra a
incapacidade de cumprir o contrato.
❌
Erros formais que PODEM ser sanados:
1) Falta de
rubrica em uma página da proposta ou anexo: Se todas as
páginas estiverem na sequência correta e a ausência da rubrica for um mero
esquecimento, a comissão de licitação pode solicitar que o licitante rubrique
as páginas.
2) Omissão
do CNPJ ou CPF em uma das páginas da proposta: A falta do
número de identificação em uma única página é um erro menor, desde que o
documento contenha o número em outras partes e não haja dúvida sobre a
identidade da empresa.
3) Encadernação
ou grampeamento incorreto dos documentos: O edital pode
exigir uma forma específica de apresentação. Um grampeamento fora do padrão é
um erro sanável, pois não afeta a documentação em si.
4) Assinatura
de uma das páginas da proposta por pessoa não autorizada: Se a
procuração ou a ata de eleição da diretoria mostrar que a pessoa tem poderes
para assinar, a falta de uma assinatura "oficial" pode ser corrigida.
5) Omissão
de uma página em um atestado de capacidade técnica que é fornecido em duas ou
mais partes: Se a ausência for um erro de cópia ou impressão e
a empresa conseguir apresentar a página faltante sem alterar o teor do
documento, a falha é sanável.
6) Pequeno
erro de formatação em um documento: Uma fonte ou um
espaçamento que não correspondem exatamente ao exigido no edital. A comissão
pode aceitar o documento, pois o conteúdo está preservado.
7) Erro na
numeração das páginas: Se a sequência das páginas não estiver perfeita,
mas a documentação completa for apresentada, o erro pode ser ignorado ou
corrigido.
8) Proposta
de preços apresentada fora de envelope lacrado: Quando a
proposta é entregue em envelope aberto, mas a comissão de licitação o lacra
imediatamente na presença dos licitantes, não há prejuízo à segurança do
processo.
9) Falta de
uma única folha no conjunto de balanços de uma empresa: Se a folha
ausente não for a que contém o resultado final e a empresa puder apresentá-la
de imediato, a falha pode ser sanada.
10) Declaração
de que a licitante cumpre os requisitos do edital sem a data ou o local da
assinatura: Se a declaração estiver assinada e não houver
dúvidas de
❌
Erros formais que NÃO podem ser
sanados em licitações:
1)
Apresentação da proposta de preços em envelope não lacrado: A regra do
envelope lacrado visa garantir a confidencialidade da proposta até a abertura
oficial. Se um licitante apresenta o envelope aberto, a segurança do processo é
comprometida, e a proposta não pode ser aceita.
2) Ausência
de assinatura na proposta de preços: A assinatura é a
forma de o licitante manifestar sua vontade e se comprometer com os termos da
proposta. A ausência de assinatura torna o documento sem validade, pois não há
como garantir sua autoria.
3) Falta de
visto do representante legal em todas as páginas do edital, quando solicitado: Muitos
editais exigem que os licitantes vistam ou assinem todas as páginas, como forma
de demonstrar que leram e aceitaram todas as condições. A ausência dessa
formalidade em diversas páginas pode invalidar a proposta.
4) Apresentação
de documentos de habilitação em cópia simples, quando o edital exige cópia
autenticada: A exigência de autenticação busca garantir a
veracidade dos documentos. A apresentação de cópias simples quebra essa
formalidade, e a Administração Pública não pode simplesmente aceitá-las.
5) Proposta
de preço com rasura no valor global: Se o valor total
da proposta estiver rasurado e não for possível identificar o número original,
a proposta se torna ilegível e não pode ser corrigida, pois a rasura impede a
leitura clara da informação.
6) Entrega
da proposta em local, data ou horário diferente do estipulado no edital: O edital é
a "lei" da licitação. O cumprimento rigoroso dos prazos e locais é
uma formalidade essencial para garantir a isonomia entre todos os licitantes. O
descumprimento não é sanável.
7) Falta de
apresentação da declaração de cumprimento dos requisitos de habilitação: Em muitos
certames, o licitante deve apresentar uma declaração formal de que atende a
todas as exigências. A ausência dessa declaração é um erro formal que impede a
habilitação.
8) Proposta
de preços apresentada em envelope de habilitação: O edital
exige envelopes separados para a habilitação e a proposta de preços, a fim de
garantir que a proposta só seja aberta após a habilitação. A mistura dos
documentos em um único envelope viola a regra e não é sanável.
9) Falta da
assinatura do contador no balanço patrimonial: O balanço
patrimonial é um documento essencial para a habilitação econômica. A falta da
assinatura de um profissional habilitado (o contador) é um erro formal que
compromete a validade e a autenticidade do documento.
10) Inobservância
da ordem dos documentos exigida pelo edital: O edital pode
solicitar que a documentação seja apresentada em uma ordem específica para
facilitar a análise. Embora pareça um detalhe, a desordem pode ser considerada
um erro formal não sanável se o edital for claro e objetivo sobre a ordem
exigida.
Em conclusão, o
princípio da instrumentalidade das formas é uma ferramenta poderosa para evitar
o excesso de formalismo, garantindo que os erros triviais e formais não sejam
barreiras intransponíveis. Contudo, é fundamental que a aplicação desse
princípio não viole a legalidade, a isonomia e a segurança jurídica que são
pilares de toda e qualquer licitação.
🔹Fluxograma simplificado
Erro identificado
│
├
──
É
erro material? → Sim → Corrige-se (quase sempre sanável)
│
└── É erro formal?
│
├
──
Finalidade do ato foi atingida?
│ │
│
├
──
Sim
→
San
á
vel (aplica-se instrumentalidade)
│ │
│ └── Não → Insanável (gera nulidade)
│
└── Correção exige interpretar vontade do licitante?
│
├
──
Sim
→
Insan
á
vel
└── Não → Sanável
📌 Erros em Licitações – Como Sanar x Consequência
ERRO |
COMO SANAR / CONSEQUÊNCIA SE NÃO SANÁVEL |
Soma
incorreta na planilha, mas valores unitários corretos |
Corrigido
de ofício pela Administração, prevalecendo os valores unitários. Se não
corrigido → risco de nulidade por violação à vantajosidade. |
Documento
apresentado em cópia simples, mas autenticável em site oficial |
Comissão
acessa o site do órgão para validar. Se não aceito → recurso alegando
instrumentalidade e fé pública dos documentos digitais. |
Proposta
enviada em PDF quando edital exigia Excel (conteúdo idêntico) |
Administração
pode aceitar ou solicitar reapresentação no formato correto, sem alteração de
conteúdo. Se não aceito → alegar formalismo excessivo. |
Assinatura
digital feita pelo sócio administrador em vez de PJ |
Verifica-se
no contrato social os poderes do signatário. Se não aceito → recurso com base
no princípio da competitividade (formalismo moderado). |
Falta
de rubrica em páginas intermediárias, sem indício de fraude |
Comissão
pode rubricar em sessão junto com os licitantes. Se não aceito → recurso
alegando ausência de prejuízo e aplicação da instrumentalidade. |
Ausência
de documento essencial (ex.: balanço patrimonial) |
Não
sanável. Leva à
inabilitação, pois não há requisito objetivo para suprir. |
Certidão
negativa não apresentada no prazo |
Não
sanável. Leva à
inabilitação. Prazo é peremptório e admitir posterior seria quebra de
isonomia. |
Alteração
de preço da proposta após fase de lances |
Não
sanável. Leva à
desclassificação. Não é erro, mas tentativa de modificação da essência da
proposta. |
Substituição
de atestado técnico por outro documento (inadequado) |
Não
sanável. Leva à
inabilitação. Documento diverso não comprova requisito de qualificação
técnica. |
Proposta
não enviada dentro do prazo |
Não
sanável. Implica
exclusão automática do certame, pois prazo é condição objetiva de
participação. |
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