quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Erros Materiais e Formais em Licitações

 


No contexto das licitações, a distinção entre erro material e erro formal é a chave para compreender quais falhas podem ser corrigidas e quais podem levar à desclassificação ou anulação de um ato.

O erro material é um equívoco de conteúdo, um lapso evidente que não altera o mérito da proposta ou do ato. Ele é um deslize trivial que pode ser corrigido sem modificar a essência do que foi apresentado. Imagine um erro de digitação em um número, uma informação incompleta que pode ser facilmente suprida ou um cálculo numérico incorreto que não muda o resultado final da proposta. É uma falha que não viola a competitividade ou a igualdade entre os licitantes.

O erro formal está ligado à forma do ato. Ele diz respeito ao descumprimento de uma exigência legal ou de uma formalidade exigida no edital. Um erro formal afeta a maneira como o ato foi praticado, mas não necessariamente seu conteúdo. Por exemplo, a falta de uma assinatura exigida em um documento, a ausência de um documento de habilitação ou a apresentação de uma proposta em formato diferente do exigido. Esses erros podem comprometer a validade do ato, pois a forma, no caso das licitações, é um requisito essencial para a garantia da isonomia e da legalidade.

O Princípio da Instrumentalidade das Formas em Licitações

A instrumentalidade das formas consagra a ideia de que o processo licitatório não é uma armadilha formalista. O que se busca não é a perfeição absoluta dos documentos, mas a eficiência do certame, a preservação da competitividade e a obtenção da melhor proposta.

O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) tem reiterado que vícios meramente formais ou materiais sanáveis não podem ensejar a eliminação de propostas, sob pena de afronta à ampla competitividade. A exclusão de licitantes deve ocorrer apenas quando o erro:

1) Afetar o conteúdo essencial da proposta;

2) Comprometer a igualdade entre os participantes;

3) Impedir a verificação da exequibilidade ou da habilitação.

A distinção entre erros materiais e formais nos leva a um dos pilares do Direito Administrativo: o princípio da instrumentalidade das formas. Esse princípio prega que a forma do ato é um instrumento para atingir sua finalidade, e não um fim em si mesma.

A Relação com Erros Material e Formal

O princípio da instrumentalidade das formas atua como um corretivo para o rigor excessivo. Ele permite que atos com defeitos menores sejam aproveitados em vez de anulados, desde que o objetivo essencial da licitação (obter a melhor proposta, garantir a isonomia) seja mantido. Anular um ato por um mero erro formal, que não causou dano ou prejuízo à competitividade, seria um desperdício de tempo e recursos públicos.

Nos erros materiais, a instrumentalidade das formas permite a correção imediata, pois o vício não compromete a vontade.

Nos erros formais, a instrumentalidade das formas possibilita que se aceite o documento ou ato, mesmo que a forma não seja a exata prevista no edital, desde que a finalidade esteja atendida.

O Princípio da Instrumentalidade Pode Sanar Erros Materiais e Formais?

Sim, mas com uma distinção importante.

* Erros materiais podem ser sanados de forma mais simples e direta. A instrumentalidade aqui reforça a ideia de que a correção de um lapso trivial, que não afeta a substância, não prejudica o certame.

 

* O Erro material quase sempre pode ser corrigido, porque não altera a essência da proposta ou da habilitação.

 

* Erros formais são o verdadeiro campo de aplicação desse princípio. Se a falta de uma formalidade, como a ausência de um carimbo, não prejudicou a validade e a finalidade da licitação, o princípio permite que o ato seja aproveitado. No entanto, é fundamental que a formalidade não seja considerada essencial ou insubstituível.

 

* O Erro formal pode ser sanado quando o documento ou informação cumpre sua finalidade, mesmo que em forma diversa da exigida.

Mas há limites: a instrumentalidade não pode ser usada para convalidar ilegalidades graves, como ausência de documento essencial, fraude, ou descumprimento substancial do edital.

O erro material, por sua natureza, quase nunca leva à nulidade, porque ele não compromete a essência do ato administrativo.

👉 Em regra, trata-se de falha mecânica, aritmética, de digitação ou de lapso que pode ser corrigida pela própria Administração, de ofício ou a pedido do interessado, sem afetar a validade.

O erro formal pode ou não gerar nulidade, a depender de sua gravidade e de sua relação com a finalidade do ato.

👉 O ponto central é: o erro formal pode ser tolerado ou sanado quando a finalidade do ato é atingida.

* Erro material → em regra corrigido de imediato, sem maiores discussões; raramente depende da instrumentalidade.

 

* Erro formal → aqui o princípio da instrumentalidade das formas é aplicado de forma decisiva, servindo como critério para diferenciar falhas sanáveis de nulidades insanáveis.

Exemplos Práticos em Licitações e Contratos

Erros materiais que PODEM ser sanados em uma licitação:

1) Erro de digitação no nome da empresa: Uma letra trocada no nome do licitante ou em sua razão social. A correção é simples e não altera a identidade da empresa nem o conteúdo da proposta.

2) Erro em um cálculo aritmético simples: Equívoco na soma, subtração, multiplicação ou divisão de valores dentro de uma planilha de preços. A correção se baseia no princípio de que a intenção do licitante era apresentar o valor correto e que o erro foi apenas um lapso.

3) Valor numérico divergente do valor por extenso: Quando o valor escrito em números não corresponde ao valor escrito por extenso. O valor por extenso geralmente prevalece, pois é considerado a manifestação mais clara da vontade do licitante.

4) Omissão de vírgula ou ponto em um valor: Um valor como "120000" em vez de "120.000,00". A correção é permitida desde que a intenção original seja evidente e não cause dúvidas.

5) Data de validade de um documento com erro de ano: Um documento que, por erro de digitação, está com a data de validade para o ano de 2024 em vez de 2025. Se a validade real for a correta e o erro for óbvio, pode ser sanado.

6) Erro na unidade de medida: Quando o licitante indica "litros" em vez de "metros cúbicos", mas a descrição do objeto da proposta deixa claro o item a ser fornecido. A correção se baseia no entendimento de que a intenção era a unidade correta.

7) Número de CNPJ com um dígito trocado: Um erro de digitação de um ou dois dígitos no número do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, que pode ser facilmente verificado com a consulta aos documentos de habilitação.

8) Inconsistência entre o cronograma físico e o cronograma financeiro: Pequenas divergências nas datas ou valores entre os dois cronogramas. A correção é possível se a intenção da proposta for clara e o erro não afetar o escopo do objeto.

9) Erro de preenchimento em uma planilha de composição de custos: Uma pequena inconsistência entre o valor unitário e o total de um item, desde que o valor total da proposta seja o correto.

10) Apresentação de atestado de capacidade técnica com data incorreta: Se a data de emissão do atestado estiver com um erro de digitação, mas for possível verificar sua validade e autenticidade.

Erros materiais que geralmente NÃO podem ser sanados:

1) Diferença entre o preço unitário e o preço total da proposta que altera o valor global final: Quando a soma dos itens unitários não corresponde ao valor total e essa diferença é substancial, pode-se presumir que a intenção da proposta não é clara. Sanar esse erro poderia alterar significativamente a classificação da empresa, quebrando a isonomia com os demais participantes.

2) Proposta de preço acima do valor máximo estipulado no edital: O edital é a lei da licitação. Se a proposta de preço excede o limite máximo estabelecido, a correção não é possível, pois a empresa já está, de partida, em desacordo com uma regra fundamental do certame.

3) Apresentação de atestado de capacidade técnica de uma pessoa jurídica que não a licitante: A comprovação da capacidade técnica é um requisito de habilitação intransponível. A apresentação de um atestado de outra empresa, mesmo que pertencente ao mesmo grupo econômico, não pode ser corrigida, pois a comprovação é específica para a licitante.

4) Inclusão de condições ou termos na proposta que não foram previstos no edital: A proposta deve seguir estritamente as especificações do edital. Adicionar cláusulas ou condições que alterem o objeto ou as regras do fornecimento não é um erro sanável, pois modifica a proposta original e quebra a isonomia.

5) Apresentação de documento de habilitação com prazo de validade vencido: Documentos como certidões negativas de débitos ou de regularidade fiscal têm prazos de validade específicos. A apresentação de um documento vencido não pode ser corrigida após a abertura dos envelopes, pois a situação de regularidade da empresa precisa ser comprovada no momento da sessão.

6) Falha na assinatura eletrônica de um documento que a invalida: Em licitações eletrônicas, a validade da assinatura digital é crucial para garantir a autenticidade do documento. Se a assinatura eletrônica falha ou é inválida, o documento é considerado não apresentado, e a correção não é permitida.

7) Erro de identificação do objeto da licitação que torna a proposta ininteligível: Se a descrição do objeto na proposta for tão vaga ou errada que não é possível determinar o que a empresa está oferecendo, o erro não pode ser sanado.

8) Proposta de preço em moeda estrangeira quando o edital exige em moeda nacional: O descumprimento de uma regra tão fundamental do edital, como a moeda em que a proposta deve ser apresentada, é um erro substancial que não pode ser corrigido.

9) Ausência de documento obrigatório de habilitação que não possa ser obtido imediatamente: A falta de um documento essencial, como o balanço patrimonial ou uma certidão específica, não é um erro sanável. O licitante é responsável por apresentar a documentação completa.

10) Apresentação de proposta com valores inexequíveis: Se a proposta de preço for considerada inexequível de acordo com os critérios do edital ou da jurisprudência, a empresa não pode simplesmente corrigir os valores para se adequar. A inexecução é uma falha intrínseca da proposta, que demonstra a incapacidade de cumprir o contrato.

Erros formais que PODEM ser sanados:

1) Falta de rubrica em uma página da proposta ou anexo: Se todas as páginas estiverem na sequência correta e a ausência da rubrica for um mero esquecimento, a comissão de licitação pode solicitar que o licitante rubrique as páginas.

2) Omissão do CNPJ ou CPF em uma das páginas da proposta: A falta do número de identificação em uma única página é um erro menor, desde que o documento contenha o número em outras partes e não haja dúvida sobre a identidade da empresa.

3) Encadernação ou grampeamento incorreto dos documentos: O edital pode exigir uma forma específica de apresentação. Um grampeamento fora do padrão é um erro sanável, pois não afeta a documentação em si.

4) Assinatura de uma das páginas da proposta por pessoa não autorizada: Se a procuração ou a ata de eleição da diretoria mostrar que a pessoa tem poderes para assinar, a falta de uma assinatura "oficial" pode ser corrigida.

5) Omissão de uma página em um atestado de capacidade técnica que é fornecido em duas ou mais partes: Se a ausência for um erro de cópia ou impressão e a empresa conseguir apresentar a página faltante sem alterar o teor do documento, a falha é sanável.

6) Pequeno erro de formatação em um documento: Uma fonte ou um espaçamento que não correspondem exatamente ao exigido no edital. A comissão pode aceitar o documento, pois o conteúdo está preservado.

7) Erro na numeração das páginas: Se a sequência das páginas não estiver perfeita, mas a documentação completa for apresentada, o erro pode ser ignorado ou corrigido.

8) Proposta de preços apresentada fora de envelope lacrado: Quando a proposta é entregue em envelope aberto, mas a comissão de licitação o lacra imediatamente na presença dos licitantes, não há prejuízo à segurança do processo.

9) Falta de uma única folha no conjunto de balanços de uma empresa: Se a folha ausente não for a que contém o resultado final e a empresa puder apresentá-la de imediato, a falha pode ser sanada.

10) Declaração de que a licitante cumpre os requisitos do edital sem a data ou o local da assinatura: Se a declaração estiver assinada e não houver dúvidas de

Erros formais que NÃO podem ser sanados em licitações:

1) Apresentação da proposta de preços em envelope não lacrado: A regra do envelope lacrado visa garantir a confidencialidade da proposta até a abertura oficial. Se um licitante apresenta o envelope aberto, a segurança do processo é comprometida, e a proposta não pode ser aceita.

2) Ausência de assinatura na proposta de preços: A assinatura é a forma de o licitante manifestar sua vontade e se comprometer com os termos da proposta. A ausência de assinatura torna o documento sem validade, pois não há como garantir sua autoria.

3) Falta de visto do representante legal em todas as páginas do edital, quando solicitado: Muitos editais exigem que os licitantes vistam ou assinem todas as páginas, como forma de demonstrar que leram e aceitaram todas as condições. A ausência dessa formalidade em diversas páginas pode invalidar a proposta.

4) Apresentação de documentos de habilitação em cópia simples, quando o edital exige cópia autenticada: A exigência de autenticação busca garantir a veracidade dos documentos. A apresentação de cópias simples quebra essa formalidade, e a Administração Pública não pode simplesmente aceitá-las.

5) Proposta de preço com rasura no valor global: Se o valor total da proposta estiver rasurado e não for possível identificar o número original, a proposta se torna ilegível e não pode ser corrigida, pois a rasura impede a leitura clara da informação.

6) Entrega da proposta em local, data ou horário diferente do estipulado no edital: O edital é a "lei" da licitação. O cumprimento rigoroso dos prazos e locais é uma formalidade essencial para garantir a isonomia entre todos os licitantes. O descumprimento não é sanável.

7) Falta de apresentação da declaração de cumprimento dos requisitos de habilitação: Em muitos certames, o licitante deve apresentar uma declaração formal de que atende a todas as exigências. A ausência dessa declaração é um erro formal que impede a habilitação.

8) Proposta de preços apresentada em envelope de habilitação: O edital exige envelopes separados para a habilitação e a proposta de preços, a fim de garantir que a proposta só seja aberta após a habilitação. A mistura dos documentos em um único envelope viola a regra e não é sanável.

9) Falta da assinatura do contador no balanço patrimonial: O balanço patrimonial é um documento essencial para a habilitação econômica. A falta da assinatura de um profissional habilitado (o contador) é um erro formal que compromete a validade e a autenticidade do documento.

10) Inobservância da ordem dos documentos exigida pelo edital: O edital pode solicitar que a documentação seja apresentada em uma ordem específica para facilitar a análise. Embora pareça um detalhe, a desordem pode ser considerada um erro formal não sanável se o edital for claro e objetivo sobre a ordem exigida.

Em conclusão, o princípio da instrumentalidade das formas é uma ferramenta poderosa para evitar o excesso de formalismo, garantindo que os erros triviais e formais não sejam barreiras intransponíveis. Contudo, é fundamental que a aplicação desse princípio não viole a legalidade, a isonomia e a segurança jurídica que são pilares de toda e qualquer licitação.

🔹Fluxograma simplificado

Erro identificado
   
   ── É erro material? → Sim → Corrige-se (quase sempre sanável)
   
   └── É erro formal? 
           
           ── Finalidade do ato foi atingida?
                    
                    ── Sim  Sanável (aplica-se instrumentalidade)
                    
                    └── Não → Insanável (gera nulidade)
           
           └── Correção exige interpretar vontade do licitante?
                     
                     ── Sim  Insanável
                     └── Não → Sanável

📌 Erros em Licitações – Como Sanar x Consequência

ERRO

COMO SANAR / CONSEQUÊNCIA SE NÃO SANÁVEL

Soma incorreta na planilha, mas valores unitários corretos

Corrigido de ofício pela Administração, prevalecendo os valores unitários. Se não corrigido → risco de nulidade por violação à vantajosidade.

Documento apresentado em cópia simples, mas autenticável em site oficial

Comissão acessa o site do órgão para validar. Se não aceito → recurso alegando instrumentalidade e fé pública dos documentos digitais.

Proposta enviada em PDF quando edital exigia Excel (conteúdo idêntico)

Administração pode aceitar ou solicitar reapresentação no formato correto, sem alteração de conteúdo. Se não aceito → alegar formalismo excessivo.

Assinatura digital feita pelo sócio administrador em vez de PJ

Verifica-se no contrato social os poderes do signatário. Se não aceito → recurso com base no princípio da competitividade (formalismo moderado).

Falta de rubrica em páginas intermediárias, sem indício de fraude

Comissão pode rubricar em sessão junto com os licitantes. Se não aceito → recurso alegando ausência de prejuízo e aplicação da instrumentalidade.

Ausência de documento essencial (ex.: balanço patrimonial)

Não sanável. Leva à inabilitação, pois não há requisito objetivo para suprir.

Certidão negativa não apresentada no prazo

Não sanável. Leva à inabilitação. Prazo é peremptório e admitir posterior seria quebra de isonomia.

Alteração de preço da proposta após fase de lances

Não sanável. Leva à desclassificação. Não é erro, mas tentativa de modificação da essência da proposta.

Substituição de atestado técnico por outro documento (inadequado)

Não sanável. Leva à inabilitação. Documento diverso não comprova requisito de qualificação técnica.

Proposta não enviada dentro do prazo

Não sanável. Implica exclusão automática do certame, pois prazo é condição objetiva de participação.

 

 


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