Introdução
A gestão de contratos administrativos, especialmente os de prestação de serviços contínuos, representa uma atividade de alta complexidade e importância no contexto da Administração Pública. Trata-se de uma função estratégica que visa assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, a qualidade dos serviços prestados, o respeito aos princípios da legalidade, eficiência, economicidade e, sobretudo, a adequada aplicação dos recursos públicos.
Com a promulgação da Lei nº 14.133/2021 — a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos —, novas diretrizes foram estabelecidas para a condução de todas as fases da contratação pública, incluindo aspectos relativos à gestão e fiscalização dos contratos, exigindo dos gestores e fiscais uma postura técnica, proativa e colaborativa. A referida norma trouxe avanços significativos no tocante à governança contratual, ao exigir planejamento adequado, monitoramento constante e ações corretivas tempestivas.
No caso específico dos contratos de prestação de serviços contínuos — aqueles que, pela natureza da atividade, não admitem solução de continuidade — a gestão torna-se ainda mais crítica, em razão da sua longa duração, da relevância dos serviços prestados e dos riscos envolvidos, especialmente no que tange à alocação de mão de obra e à necessidade de constante equilíbrio econômico-financeiro.
1. Conceito e características dos contratos de prestação de serviços contínuos
Os contratos de prestação de serviços contínuos são definidos, segundo a doutrina e a jurisprudência, como aqueles que envolvem atividades cuja paralisação pode comprometer a continuidade do serviço público, sendo, portanto, essenciais ao funcionamento da Administração. Geralmente, são contratos voltados à terceirização de atividades-meio, como limpeza, vigilância, segurança, recepção, telefonia, transporte, entre outros.
“A
identificação dos serviços de natureza contínua não se faz a partir do exame
propriamente da atividade desenvolvida pelos particulares, como execução da
prestação contratual. A continuidade do serviço retrata, na verdade, a
permanência da necessidade pública a ser satisfeita. Ou seja, o dispositivo
abrange os serviços destinados a atender necessidades públicas permanentes,
cujo atendimento não exaure prestação semelhante no futuro.” (JUSTEN FILHO, Marçal.
Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Revista dos
Tribunais, 17ª edição, 2016, p. 1109)
A continuidade do serviço caracteriza-se não apenas pela execução ininterrupta, mas também pela necessidade de sua manutenção por longos períodos. Por essa razão, a legislação admite a prorrogação desses contratos por até 60 meses, conforme o art. 106, caput, da Lei nº 14.133/2021, sendo possível, em caráter excepcional, a prorrogação por até 10 anos.
A longa duração desses contratos exige uma atenção redobrada por parte da Administração Pública quanto à sua gestão, principalmente porque envolvem valores significativos, grande número de trabalhadores terceirizados, riscos trabalhistas e operacionais e a necessidade de constante acompanhamento da execução contratual.
2. Planejamento da contratação: o alicerce da boa gestão
Antes mesmo da celebração do contrato, o êxito da gestão contratual depende de um planejamento bem estruturado. A etapa do planejamento é onde se identificam os requisitos do serviço, os riscos envolvidos, os critérios de medição de desempenho e os instrumentos de fiscalização.
Nessa fase, destaca-se a importância da elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP) e do Termo de Referência (TR), documentos essenciais para nortear a contratação. No ETP, são analisadas as necessidades da Administração, as alternativas de solução, os custos estimados, os riscos, entre outros fatores. Já o TR detalha o objeto do contrato, os critérios de aceitação dos serviços, as exigências de qualificação técnica e os mecanismos de controle.
A adequada definição do objeto e das responsabilidades da contratada é fundamental para evitar ambiguidades e dificuldades na fase de execução. Da mesma forma, a escolha do tipo de regime de execução — por exemplo, empreitada por preço global ou por preço unitário — deve ser compatível com a natureza do serviço, com vistas à economicidade e à viabilidade de fiscalização.
3. Estrutura da gestão contratual
A gestão de contratos na Administração Pública envolve uma atuação conjunta de diversos agentes, conforme previsto na Lei nº 14.133/2021. Entre os principais personagens, destacam-se:
·
Gestor do Contrato:
responsável por acompanhar a execução geral do contrato, administrar prazos, aplicar
sanções, elaborar relatórios gerenciais e intermediar a comunicação com a
contratada.
·
Fiscal do Contrato: acompanha
a execução física e operacional do objeto contratado, verifica o cumprimento
das obrigações contratuais, valida as medições e atesta a conformidade dos
serviços.
·
Equipe de Apoio: composta por
servidores que auxiliam o gestor e o fiscal, especialmente em contratos de
grande complexidade.
A atuação desses agentes deve ser formalizada por
meio de designação expressa da autoridade competente. Além disso, é
imprescindível que recebam capacitação técnica adequada para o desempenho das
suas atribuições, considerando que a gestão contratual exige conhecimento
jurídico, contábil, técnico e administrativo.
4. Atribuições e responsabilidades do gestor e do fiscal
As atribuições do gestor e do fiscal estão detalhadas em normativos internos dos órgãos e na própria legislação, especialmente nos artigos 117 a 121 da Lei nº 14.133/2021.
O gestor do contrato deve:
·
Acompanhar o cumprimento das cláusulas contratuais.
·
Verificar a regularidade fiscal, trabalhista e
previdenciária da contratada.
·
Aplicar penalidades administrativas, quando
cabíveis.
·
Demandar providências para restabelecer o
equilíbrio econômico-financeiro.
·
Manter registro atualizado da execução contratual.
·
Fiscalizar in loco a execução dos serviços.
·
Registrar ocorrências relevantes em relatório
próprio.
·
Solicitar a substituição de empregados da
contratada, se necessário.
·
Validar as faturas de pagamento, após verificação
da conformidade dos serviços.
·
Informar imediatamente ao gestor eventuais
descumprimentos contratuais.
A atuação conjunta e articulada entre gestor e
fiscal é fundamental para o êxito da execução contratual. Ambos respondem por
omissões e falhas na sua esfera de competência, conforme previsto no art. 118,
§3º da Nova Lei de Licitações.
Vide “Atribuições e responsabilização do fiscal de contrato”.
5. Monitoramento e controle da execução contratual
O controle da execução contratual deve ser contínuo, técnico e documentado. Para tanto, é necessário estabelecer indicadores de desempenho, metas quantitativas e qualitativas, padrões de qualidade e mecanismos de aferição.
O uso de ferramentas tecnológicas, como sistemas informatizados de gestão de contratos, pode auxiliar na consolidação de dados, geração de alertas e elaboração de relatórios de desempenho. Da mesma forma, a adoção de checklists e formulários padronizados contribui para a uniformidade e confiabilidade das informações.
Além disso, o controle deve abranger a regularidade da contratada em relação aos encargos trabalhistas e previdenciários dos empregados vinculados ao contrato, por meio da verificação de documentos como folha de pagamento, GFIP, guias de recolhimento, contracheques e comprovantes de depósito de FGTS.
6. Riscos e medidas corretivas
Os contratos de serviços contínuos apresentam diversos riscos, que devem ser gerenciados ao longo da execução. Entre os mais comuns, destacam-se:
·
Inadimplemento de obrigações trabalhistas pela
contratada.
·
Falta de substituição de empregados afastados.
·
Redução da qualidade dos serviços.
·
Solicitações indevidas de reequilíbrio
econômico-financeiro.
·
Descumprimento de cláusulas contratuais.
Diante de qualquer ocorrência, cabe ao gestor e ao
fiscal adotar medidas corretivas, como:
·
Notificações e advertências formais.
·
Aplicação de sanções previstas no contrato.
·
Suspensão temporária de pagamentos.
·
Encaminhamento à assessoria jurídica para rescisão
contratual, se for o caso.
·
Solicitação de substituição de empregados.
·
Recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, se
devidamente justificada.
7. A importância do reequilíbrio econômico-financeiro
A Lei nº 14.133/2021 assegura o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato sempre que houver fato superveniente e imprevisível que altere a equação original da proposta.
Nos contratos de serviços contínuos, os pedidos de reequilíbrio são frequentes, especialmente diante de alterações legislativas, acordos coletivos de trabalho e variações significativas nos preços de insumos. A análise desses pedidos exige rigor técnico e documental, considerando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e interesse público.
Vide “A cláusula de equilíbrio econômico-financeiro: como utilizá-la?” e “Reajuste e Recomposição em Contratos Administrativos”.
8. Prorrogação contratual e revisão de condições
Conforme já mencionado, os contratos de serviços contínuos podem ser prorrogados até o limite de 60 meses. No entanto, a prorrogação deve estar condicionada à vantajosidade para a Administração e à avaliação da execução contratual até então.
A revisão de valores deve ocorrer sempre que comprovada a necessidade de reajuste ou reequilíbrio, sendo fundamental a instrução adequada do processo, com parecer técnico e jurídico favoráveis.
9. Boas práticas na gestão de contratos contínuos
Entre as boas práticas recomendadas para a gestão eficiente desses contratos, destacam-se:
·
Capacitação contínua dos gestores e fiscais.
·
Elaboração de planos de fiscalização.
·
Reuniões periódicas com a contratada.
·
Registro documental de todas as ocorrências relevantes.
·
Avaliação de desempenho da contratada com base em
indicadores objetivos.
·
Planejamento antecipado da prorrogação ou nova
licitação.
·
Padronização de rotinas e procedimentos internos.
10. Desafios enfrentados na prática
Apesar das diretrizes legais e das boas práticas disponíveis, a gestão de contratos contínuos enfrenta diversos desafios, tais como:
·
Falta de capacitação dos agentes designados.
·
Acúmulo de funções por parte dos gestores e
fiscais.
·
Resistência das contratadas ao cumprimento de exigências
documentais.
·
Fragilidade na comunicação entre as partes.
·
Interferência política na gestão contratual.
·
Ausência de mecanismos efetivos de
responsabilização.
Conclusão
A gestão de contratos de prestação de serviços contínuos na Administração Pública exige planejamento, técnica, controle e comprometimento. É uma atividade que envolve não apenas o cumprimento das cláusulas contratuais, mas também a garantia da continuidade dos serviços públicos, a proteção do interesse público e a responsabilização dos agentes envolvidos.
A Nova Lei de Licitações e Contratos trouxe avanços importantes nesse campo, ao definir claramente os papéis dos agentes públicos e ao instituir mecanismos de governança, gestão de riscos e responsabilização. Contudo, a efetiva implementação dessas diretrizes depende da cultura organizacional, da capacitação dos servidores e da adoção de práticas gerenciais eficientes.
A boa gestão contratual é, antes de tudo, um instrumento de transformação da Administração Pública, na medida em que promove a legalidade, a transparência e a eficiência na aplicação dos recursos públicos. Em um cenário de crescente demanda por serviços públicos de qualidade, a excelência na gestão de contratos contínuos é não apenas desejável, mas indispensável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Expresse a sua opinião!