terça-feira, 22 de abril de 2025

Gestão de contratos de prestação de serviços contínuos no âmbito da Administração Pública



Introdução

A gestão de contratos administrativos, especialmente os de prestação de serviços contínuos, representa uma atividade de alta complexidade e importância no contexto da Administração Pública. Trata-se de uma função estratégica que visa assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, a qualidade dos serviços prestados, o respeito aos princípios da legalidade, eficiência, economicidade e, sobretudo, a adequada aplicação dos recursos públicos.

Com a promulgação da Lei nº 14.133/2021 — a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos —, novas diretrizes foram estabelecidas para a condução de todas as fases da contratação pública, incluindo aspectos relativos à gestão e fiscalização dos contratos, exigindo dos gestores e fiscais uma postura técnica, proativa e colaborativa. A referida norma trouxe avanços significativos no tocante à governança contratual, ao exigir planejamento adequado, monitoramento constante e ações corretivas tempestivas.

No caso específico dos contratos de prestação de serviços contínuos — aqueles que, pela natureza da atividade, não admitem solução de continuidade — a gestão torna-se ainda mais crítica, em razão da sua longa duração, da relevância dos serviços prestados e dos riscos envolvidos, especialmente no que tange à alocação de mão de obra e à necessidade de constante equilíbrio econômico-financeiro.

1. Conceito e características dos contratos de prestação de serviços contínuos

Os contratos de prestação de serviços contínuos são definidos, segundo a doutrina e a jurisprudência, como aqueles que envolvem atividades cuja paralisação pode comprometer a continuidade do serviço público, sendo, portanto, essenciais ao funcionamento da Administração. Geralmente, são contratos voltados à terceirização de atividades-meio, como limpeza, vigilância, segurança, recepção, telefonia, transporte, entre outros.

 

“A identificação dos serviços de natureza contínua não se faz a partir do exame propriamente da atividade desenvolvida pelos particulares, como execução da prestação contratual. A continuidade do serviço retrata, na verdade, a permanência da necessidade pública a ser satisfeita. Ou seja, o dispositivo abrange os serviços destinados a atender necessidades públicas permanentes, cujo atendimento não exaure prestação semelhante no futuro.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Revista dos Tribunais, 17ª edição, 2016, p. 1109)

A continuidade do serviço caracteriza-se não apenas pela execução ininterrupta, mas também pela necessidade de sua manutenção por longos períodos. Por essa razão, a legislação admite a prorrogação desses contratos por até 60 meses, conforme o art. 106, caput, da Lei nº 14.133/2021, sendo possível, em caráter excepcional, a prorrogação por até 10 anos.

A longa duração desses contratos exige uma atenção redobrada por parte da Administração Pública quanto à sua gestão, principalmente porque envolvem valores significativos, grande número de trabalhadores terceirizados, riscos trabalhistas e operacionais e a necessidade de constante acompanhamento da execução contratual.

2. Planejamento da contratação: o alicerce da boa gestão

Antes mesmo da celebração do contrato, o êxito da gestão contratual depende de um planejamento bem estruturado. A etapa do planejamento é onde se identificam os requisitos do serviço, os riscos envolvidos, os critérios de medição de desempenho e os instrumentos de fiscalização.

Nessa fase, destaca-se a importância da elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP) e do Termo de Referência (TR), documentos essenciais para nortear a contratação. No ETP, são analisadas as necessidades da Administração, as alternativas de solução, os custos estimados, os riscos, entre outros fatores. Já o TR detalha o objeto do contrato, os critérios de aceitação dos serviços, as exigências de qualificação técnica e os mecanismos de controle.

A adequada definição do objeto e das responsabilidades da contratada é fundamental para evitar ambiguidades e dificuldades na fase de execução. Da mesma forma, a escolha do tipo de regime de execução — por exemplo, empreitada por preço global ou por preço unitário — deve ser compatível com a natureza do serviço, com vistas à economicidade e à viabilidade de fiscalização.

3. Estrutura da gestão contratual

A gestão de contratos na Administração Pública envolve uma atuação conjunta de diversos agentes, conforme previsto na Lei nº 14.133/2021. Entre os principais personagens, destacam-se:


·       Gestor do Contrato: responsável por acompanhar a execução geral do contrato, administrar prazos, aplicar sanções, elaborar relatórios gerenciais e intermediar a comunicação com a contratada.

·       Fiscal do Contrato: acompanha a execução física e operacional do objeto contratado, verifica o cumprimento das obrigações contratuais, valida as medições e atesta a conformidade dos serviços.

·       Equipe de Apoio: composta por servidores que auxiliam o gestor e o fiscal, especialmente em contratos de grande complexidade.

 

A atuação desses agentes deve ser formalizada por meio de designação expressa da autoridade competente. Além disso, é imprescindível que recebam capacitação técnica adequada para o desempenho das suas atribuições, considerando que a gestão contratual exige conhecimento jurídico, contábil, técnico e administrativo.

4. Atribuições e responsabilidades do gestor e do fiscal

As atribuições do gestor e do fiscal estão detalhadas em normativos internos dos órgãos e na própria legislação, especialmente nos artigos 117 a 121 da Lei nº 14.133/2021.

O gestor do contrato deve:

 

·      Acompanhar o cumprimento das cláusulas contratuais.

·      Verificar a regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária da contratada.

·      Aplicar penalidades administrativas, quando cabíveis.

·      Demandar providências para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.

·      Manter registro atualizado da execução contratual.

 

Já o fiscal do contrato tem como principais atribuições:

 

·      Fiscalizar in loco a execução dos serviços.

·      Registrar ocorrências relevantes em relatório próprio.

·      Solicitar a substituição de empregados da contratada, se necessário.

·      Validar as faturas de pagamento, após verificação da conformidade dos serviços.

·      Informar imediatamente ao gestor eventuais descumprimentos contratuais.

 

A atuação conjunta e articulada entre gestor e fiscal é fundamental para o êxito da execução contratual. Ambos respondem por omissões e falhas na sua esfera de competência, conforme previsto no art. 118, §3º da Nova Lei de Licitações.

Vide “Atribuições e responsabilização do fiscal de contrato”.

5. Monitoramento e controle da execução contratual

O controle da execução contratual deve ser contínuo, técnico e documentado. Para tanto, é necessário estabelecer indicadores de desempenho, metas quantitativas e qualitativas, padrões de qualidade e mecanismos de aferição.

O uso de ferramentas tecnológicas, como sistemas informatizados de gestão de contratos, pode auxiliar na consolidação de dados, geração de alertas e elaboração de relatórios de desempenho. Da mesma forma, a adoção de checklists e formulários padronizados contribui para a uniformidade e confiabilidade das informações.

Além disso, o controle deve abranger a regularidade da contratada em relação aos encargos trabalhistas e previdenciários dos empregados vinculados ao contrato, por meio da verificação de documentos como folha de pagamento, GFIP, guias de recolhimento, contracheques e comprovantes de depósito de FGTS.

6. Riscos e medidas corretivas

Os contratos de serviços contínuos apresentam diversos riscos, que devem ser gerenciados ao longo da execução. Entre os mais comuns, destacam-se:

 

·      Inadimplemento de obrigações trabalhistas pela contratada.

·      Falta de substituição de empregados afastados.

·      Redução da qualidade dos serviços.

·      Solicitações indevidas de reequilíbrio econômico-financeiro.

·      Descumprimento de cláusulas contratuais.

 

Diante de qualquer ocorrência, cabe ao gestor e ao fiscal adotar medidas corretivas, como:

 

·      Notificações e advertências formais.

·      Aplicação de sanções previstas no contrato.

·      Suspensão temporária de pagamentos.

·      Encaminhamento à assessoria jurídica para rescisão contratual, se for o caso.

·      Solicitação de substituição de empregados.

·      Recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, se devidamente justificada.

7. A importância do reequilíbrio econômico-financeiro

A Lei nº 14.133/2021 assegura o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato sempre que houver fato superveniente e imprevisível que altere a equação original da proposta.

Nos contratos de serviços contínuos, os pedidos de reequilíbrio são frequentes, especialmente diante de alterações legislativas, acordos coletivos de trabalho e variações significativas nos preços de insumos. A análise desses pedidos exige rigor técnico e documental, considerando os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e interesse público.

Vide “A cláusula de equilíbrio econômico-financeiro: como utilizá-la?” e “Reajuste e Recomposição em Contratos Administrativos”.

8. Prorrogação contratual e revisão de condições

Conforme já mencionado, os contratos de serviços contínuos podem ser prorrogados até o limite de 60 meses. No entanto, a prorrogação deve estar condicionada à vantajosidade para a Administração e à avaliação da execução contratual até então.

A revisão de valores deve ocorrer sempre que comprovada a necessidade de reajuste ou reequilíbrio, sendo fundamental a instrução adequada do processo, com parecer técnico e jurídico favoráveis.

9. Boas práticas na gestão de contratos contínuos

Entre as boas práticas recomendadas para a gestão eficiente desses contratos, destacam-se:

 

·      Capacitação contínua dos gestores e fiscais.

·      Elaboração de planos de fiscalização.

·      Reuniões periódicas com a contratada.

·      Registro documental de todas as ocorrências relevantes.

·      Avaliação de desempenho da contratada com base em indicadores objetivos.

·      Planejamento antecipado da prorrogação ou nova licitação.

·      Padronização de rotinas e procedimentos internos.

10. Desafios enfrentados na prática

Apesar das diretrizes legais e das boas práticas disponíveis, a gestão de contratos contínuos enfrenta diversos desafios, tais como:

 

·      Falta de capacitação dos agentes designados.

·      Acúmulo de funções por parte dos gestores e fiscais.

·      Resistência das contratadas ao cumprimento de exigências documentais.

·      Fragilidade na comunicação entre as partes.

·      Interferência política na gestão contratual.

·      Ausência de mecanismos efetivos de responsabilização.

Conclusão

A gestão de contratos de prestação de serviços contínuos na Administração Pública exige planejamento, técnica, controle e comprometimento. É uma atividade que envolve não apenas o cumprimento das cláusulas contratuais, mas também a garantia da continuidade dos serviços públicos, a proteção do interesse público e a responsabilização dos agentes envolvidos.

A Nova Lei de Licitações e Contratos trouxe avanços importantes nesse campo, ao definir claramente os papéis dos agentes públicos e ao instituir mecanismos de governança, gestão de riscos e responsabilização. Contudo, a efetiva implementação dessas diretrizes depende da cultura organizacional, da capacitação dos servidores e da adoção de práticas gerenciais eficientes.

A boa gestão contratual é, antes de tudo, um instrumento de transformação da Administração Pública, na medida em que promove a legalidade, a transparência e a eficiência na aplicação dos recursos públicos. Em um cenário de crescente demanda por serviços públicos de qualidade, a excelência na gestão de contratos contínuos é não apenas desejável, mas indispensável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente! Expresse a sua opinião!