quarta-feira, 30 de abril de 2025

O Fiscal de Contrato na Nova Lei de Licitações


A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, substitui os antigos marcos legais que regulavam as contratações públicas, consolidando um novo regime jurídico pautado por princípios mais modernos, instrumentos mais robustos de controle e responsabilização, e maior clareza nos papéis dos agentes públicos. Nesse contexto, a figura do fiscal de contrato assume papel central na execução contratual, como guardião da regularidade, da economicidade e da legalidade das contratações administrativas.

A atividade de fiscalização contratual não é nova na Administração Pública, estando presente tanto na Lei nº 8.666/1993 quanto em normas infralegais e em boas práticas administrativas. Contudo, a nova legislação traz avanços importantes ao detalhar o papel do fiscal, sistematizar suas atribuições e vincular sua atuação a um processo mais profissionalizado e técnico de gestão contratual. Essa mudança decorre da necessidade de aprimorar os controles internos e de garantir que a execução contratual produza resultados efetivos, sem desvios, omissões ou falhas que comprometam o interesse público.

I. O fundamento legal da fiscalização na Lei nº 14.133/2021

A nova Lei de Licitações disciplina a fiscalização contratual nos artigos 117 a 122. O artigo 117 estabelece que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais representantes da Administração especialmente designados. Essa regra consagra o dever de a Administração acompanhar a execução dos contratos firmados, eliminando qualquer margem para omissões ou atuações informais.

O poder-dever de fiscalizar não é uma faculdade da Administração, mas uma imposição legal. A omissão nesse dever pode ensejar responsabilização do ente público e dos agentes designados para tal fim. Assim, a fiscalização não se confunde com atos administrativos esporádicos ou com simples controles documentais; trata-se de uma atividade sistemática, técnica e contínua, orientada pela boa-fé, pela eficiência e pela transparência.

O §1º do artigo 117 prevê que a autoridade competente poderá designar um gestor do contrato, distinto do fiscal, que terá a função de coordenar sua execução e atuar como elo entre a contratada e a Administração. Já o §2º dispõe que, sempre que conveniente, poderá ser designado apoio técnico ou setorial para auxiliar na fiscalização. Essa previsão legitima a atuação compartilhada, multidisciplinar e colaborativa da fiscalização, com divisão de tarefas entre agentes com conhecimentos e atribuições distintas.

II. Atribuições do fiscal de contrato

As atribuições do fiscal de contrato são múltiplas e exigem conhecimento técnico, rigor processual e capacidade de análise crítica. De acordo com a legislação e as boas práticas, cabe ao fiscal acompanhar a execução contratual sob os seguintes aspectos:

1.        Verificar se os bens, serviços ou obras estão sendo entregues ou prestados conforme as cláusulas contratuais e os termos do edital.

2.        Registrar a ocorrência de eventuais falhas, atrasos, inadimplementos ou descumprimentos contratuais.

3.        Solicitar à contratada a correção de vícios e irregularidades identificadas.

4.        Analisar documentos fiscais, trabalhistas e previdenciários, nos casos em que o contrato exigir.

5.        Comunicar tempestivamente ao gestor do contrato qualquer fato que possa comprometer a boa execução contratual.

6.        Elaborar relatórios de fiscalização, com registro formal de todas as ocorrências relevantes.

7.        Sugerir a aplicação de sanções, quando cabível, com base em documentação e pareceres técnicos.

8.        Participar de reuniões de acompanhamento e alinhamento contratual.

Tais atividades demandam que o fiscal atue com isenção, diligência, clareza técnica e espírito de colaboração. A atuação não pode ser meramente formal ou protocolar; deve ser efetiva e voltada à garantia da plena satisfação do interesse público.

III. Atribuições compartilhadas: gestor, fiscais e apoio técnico

A Lei nº 14.133/2021 estabelece uma divisão clara e funcional entre os papéis do gestor do contrato, do fiscal e dos apoios técnicos. O gestor tem como função coordenar a execução global do contrato, interagir formalmente com a contratada, consolidar informações dos diversos fiscais e tomar decisões administrativas relevantes. Já os fiscais atuam em áreas específicas: fiscalização técnica, fiscalização administrativa, fiscalização local, entre outras, dependendo do objeto do contrato.

Esse modelo descentralizado favorece a especialização das tarefas e proporciona maior segurança jurídica ao processo de fiscalização. Por exemplo, o fiscal técnico pode ser um engenheiro que avalia a conformidade de uma obra, enquanto o fiscal administrativo confere a documentação de regularidade fiscal e trabalhista.

A atuação dos diversos fiscais deve ser harmoniosa e integrada, com comunicação constante com o gestor do contrato.

O apoio técnico ou setorial pode incluir profissionais de TI, engenheiros, arquitetos, advogados, médicos ou qualquer outro especialista necessário à correta avaliação da execução do objeto contratual. Essa possibilidade reconhece a complexidade das contratações públicas e a necessidade de suporte técnico para decisões mais seguras.

IV. Instrumentos e práticas de fiscalização

Para garantir eficácia na fiscalização contratual, é fundamental que a Administração utilize instrumentos de planejamento, controle e registro. Entre os principais mecanismos destacam-se:

·      Plano de fiscalização: documento que define os critérios, indicadores, frequência e métodos de fiscalização do contrato.

·      Checklists operacionais: auxiliam no acompanhamento sistemático das obrigações contratuais.

·      Relatórios de fiscalização: registros periódicos das atividades e ocorrências relevantes.

·      Sistema informatizado de gestão de contratos: ferramenta que centraliza documentos, prazos, notificações e alertas.

·      Reuniões de acompanhamento: encontros periódicos entre gestor, fiscais e contratada para ajustes e alinhamentos.

·      Registro fotográfico ou audiovisual: documentação de evidências da execução ou de irregularidades.

A adoção desses instrumentos contribui para a padronização das atividades, o aumento da transparência, a segurança jurídica e a rastreabilidade das decisões.

V. Responsabilidade do fiscal de contrato

O fiscal de contrato pode ser responsabilizado por omissão, negligência ou dolo no exercício de suas funções. Tal responsabilização pode ocorrer nas esferas administrativa, civil e até penal, a depender da gravidade da conduta e do prejuízo causado à Administração Pública.

 

“O fiscal de contrato, especialmente designado para o acompanhamento da obra, pode ser responsabilizado quando se omite na adoção de medidas necessárias à manutenção do ritmo de execução normal do empreendimento.” (TCU - Acórdão 2296/2019-Plenário - Relator: ANDRÉ DE CARVALHO)

Contudo, é importante destacar que o fiscal não responde por atos que estejam fora do seu alcance ou que não lhe tenham sido comunicados. Sua responsabilidade é limitada às atividades que lhe foram formalmente atribuídas, mediante designação expressa e capacitação adequada. Além disso, a atuação do fiscal deve ser sempre documentada, a fim de garantir sua segurança jurídica em eventuais processos de apuração de responsabilidades.

 

“O fiscal do contrato não pode ser responsabilizado caso não lhe sejam oferecidas condições apropriadas para o desempenho de suas atribuições. Na interpretação das normas de gestão pública, deverão ser considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 22, caput, do Decreto-lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).” (TCU - Acórdão 2973/2019-Segunda Câmara - Relator: ANA ARRAES)

Por outro lado, a ausência de designação formal ou a inércia da Administração em capacitar e apoiar seus fiscais também pode ensejar responsabilidade da própria entidade pública. A estruturação dos controles internos e a formação contínua dos agentes são medidas indispensáveis à boa governança contratual.

VI. Capacitação e valorização dos fiscais

Um dos principais desafios enfrentados pelos entes públicos na implementação da nova lei é a formação de uma cultura de profissionalização da fiscalização contratual. Muitos servidores públicos são designados como fiscais sem a devida preparação técnica, sem apoio institucional e sem um arcabouço normativo interno que oriente sua atuação.

A capacitação dos fiscais deve incluir conteúdos sobre:

·      Legislação de contratos administrativos;

·      Responsabilidades funcionais;

·      Técnicas de fiscalização;

·      Elaboração de relatórios;

·      Utilização de sistemas eletrônicos de gestão;

·      Comunicação e relacionamento com contratadas.

Além da capacitação técnica, é essencial que os fiscais sejam valorizados pela Administração, com o reconhecimento formal da importância estratégica de sua função. A fiscalização não é uma tarefa meramente operacional, mas um dos pilares da integridade, da conformidade e da eficácia das políticas públicas.

VII. A importância da fiscalização para o controle e a governança

A fiscalização contratual tem papel fundamental no controle interno da Administração Pública. Sua atuação permite a detecção precoce de desvios, o saneamento de irregularidades, a responsabilização de contratadas inadimplentes e o fornecimento de dados essenciais para auditorias e avaliações de desempenho.

Além disso, os relatórios elaborados pelos fiscais servem como base para decisões sobre prorrogação, renovação, reequilíbrio econômico-financeiro e aplicação de penalidades. A ausência desses registros pode comprometer todo o ciclo contratual e gerar nulidades em processos administrativos.

A governança pública exige que os contratos sejam acompanhados de forma ativa e planejada. A atuação eficiente dos fiscais contribui para a realização dos objetivos institucionais e para a correta aplicação dos recursos públicos. Portanto, mais do que uma obrigação legal, a fiscalização contratual é um instrumento de gestão estratégica.

VIII. Considerações finais

A figura do fiscal de contrato ganha centralidade no novo regime jurídico de contratações públicas instituído pela Lei nº 14.133/2021. Sua atuação, agora expressamente normatizada, constitui uma das principais garantias de que a execução dos contratos administrativos se dará conforme os princípios constitucionais e legais que regem a Administração Pública.

Ao delimitar com clareza os papéis do fiscal, do gestor e dos apoios técnicos, a nova lei proporciona maior segurança jurídica, padronização de práticas e incentivo à profissionalização da fiscalização. Contudo, a eficácia desse novo modelo depende de investimentos em capacitação, estrutura de controle interno, sistemas informatizados e valorização dos servidores públicos envolvidos.

Em suma, o fiscal de contrato é um agente indispensável à boa gestão pública. Cabe à Administração prover os meios e o suporte para que ele possa cumprir sua função com técnica, responsabilidade e integridade. Assim, será possível avançar rumo a uma Administração mais eficiente, transparente e comprometida com o interesse público.

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