Ignorar detalhes do
edital ou deixá-lo em segundo plano pode significar desde a desclassificação
precoce até a assunção de riscos contratuais graves, com reflexos
patrimoniais e reputacionais para a empresa.
O exame do edital,
em sua integralidade, é fundamental para o sucesso na licitação. Não obstante,
a seguir, destaco três cuidados essenciais que todo licitante,
especialmente aquele que pretende atuar de forma profissional e sustentável no
setor público, precisa adotar ao analisar um edital.
1.
Verificação da compatibilidade entre objeto, regime de execução e exigências de
habilitação
O primeiro cuidado
fundamental é avaliar se há coerência entre o objeto licitado, o regime de
execução previsto e as exigências técnicas e documentais impostas pela
Administração.
Nos termos do art.
18, I, da Lei nº 14.133/2021, o edital deve conter a “descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo
técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido”. Essa prescrição
é reforçada pelo §1º do mesmo dispositivo, que exige que o ETP deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor
solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da
contratação.
É comum, na
prática, encontrar editais que, para um objeto simples (como fornecimento de
itens padronizados), impõem exigências de qualificação técnico-operacional
incompatíveis, como atestados de capacidade operacional para atividades
complexas ou exigência de equipe técnica permanente com engenheiros ou
profissionais não relacionados ao objeto.
📌 Jurisprudência
do TCU:
“A Administração deve incluir no processo
licitatório os motivos das exigências de comprovação de capacidade técnica,
seja sob o aspecto técnico-profissional ou técnico-operacional, e
demonstrar, tecnicamente, que os parâmetros fixados são necessários e
pertinentes ao objeto licitado.” (Acórdão 1937/2003-Plenário - Relator: AUGUSTO
SHERMAN)
Atenção especial
também deve ser dada ao regime de execução (art. 46 da Lei nº
14.133/21). Exigir, por exemplo, o regime de empreitada por preço global para
contratos cuja natureza e imprevisibilidade recomendariam a medição por empreitada
por preço unitário pode gerar distorções nos preços e até risco de
execução deficitária, o que compromete a vantajosidade do contrato.
2. Análise
da legalidade e da proporcionalidade das exigências de habilitação
Outro cuidado
fundamental reside na verificação da legalidade, razoabilidade e
proporcionalidade das exigências de habilitação.
Nos termos dos arts.
62 a 70 da Lei nº 14.133/2021, a habilitação do licitante será verificada
por meio de documentos relativos:
- à habilitação jurídica;
- à regularidade fiscal e trabalhista;
- à qualificação técnica;
- à qualificação econômico-financeira.
Porém, a lei deixa
claro que tais exigências devem ser compatíveis e proporcionais com as
obrigações assumidas. Exigências genéricas, desproporcionais ou que não
guardam nexo com o objeto licitado são passíveis de impugnação e, em
última análise, podem gerar nulidade do edital.
📌 Exemplo
prático: é ilegal exigir capital social mínimo correspondente a 10% do
valor do contrato sem justificativa técnica prévia nos estudos que embasaram a
licitação. Tal exigência pode configurar restrição à competitividade.
📌 Jurisprudência
do TCU:
“A fixação de percentual de capital ou
patrimônio líquido mínimo em relação ao valor estimado da contratação
deve ser justificada nos autos do processo licitatório.” (Acórdão
668/2005-Plenário - Relator: AUGUSTO SHERMAN)
📌 Base
constitucional: tais exigências desproporcionais também violam o princípio
da isonomia e o devido processo legal (art. 37, XXI, da CF/88).
Assim, ao se
deparar com um edital, o licitante deve perguntar:
“A exigência de habilitação tem nexo com o objeto? Está devidamente
justificada tecnicamente? Ou se trata de uma barreira velada à
competitividade?”
Essa análise não só
previne a desclassificação injusta como abre caminho para impugnações bem
fundamentadas, que podem corrigir vícios e abrir espaço para sua empresa
competir.
3. Exame
crítico dos critérios de julgamento da proposta
O terceiro ponto
essencial é o exame técnico dos critérios de julgamento adotados no edital,
pois deles depende a definição da proposta mais vantajosa e a viabilidade
da futura execução contratual.
A Lei nº
14.133/2021, em seu art. 33, traz os critérios admissíveis para
julgamento:
- menor preço,
- maior desconto,
- melhor técnica ou conteúdo artístico,
- técnica e preço,
- maior lance ou oferta, no caso de leilão,
- maior retorno econômico,
Um erro comum dos
editais é utilizar o critério de menor preço global para serviços com
múltiplos itens, turnos ou perfis técnicos diferentes, o que pode levar a
distorções graves. Empresas “jogam o preço” em alguns itens para vencer, mas não
conseguem cumprir a execução com equilíbrio econômico-financeiro, o que
prejudica tanto a contratada quanto a Administração.
📌 Jurisprudência
do TCU:
“A ausência de critérios pré-definidos para seleção da proposta mais
vantajosa viola mandamentos básicos da impessoalidade, da isonomia e do julgamento objetivo, estampados no art. 37, caput e
inciso XXI, da CF/1988, art. 3º da Lei 8.666/1993, e no próprio art. 1º do
Decreto 2.745/1998, podendo, inclusive, dar margem a direcionamentos indevidos
nos procedimentos licitatórios.” (Acórdão 549/2006-Plenário - Relator: WALTON
ALENCAR RODRIGUES)
Além disso, os
critérios de julgamento devem vir acompanhados da metodologia de avaliação,
sobretudo nos casos de técnica e preço, que se destina à licitações para objetos
que admitam soluções específicas e alternativas e variações de execução, com
repercussões significativas e concretamente mensuráveis sobre sua qualidade,
produtividade, rendimento e durabilidade. A ausência de metodologia adequada
pode gerar insegurança, subjetividade e questionamentos posteriores.
Conclusão:
a leitura estratégica do edital é um ato de inteligência jurídica e econômica
Analisar um edital não
é um ato mecânico, nem protocolar. É, antes, uma operação jurídica, técnica
e estratégica. Um exame criterioso do edital permite ao licitante:
- identificar vícios e inconsistências jurídicas;
- atuar preventivamente, por meio de impugnações
ou pedidos de esclarecimentos;
- evitar propostas inviáveis, que geram
prejuízos financeiros e riscos contratuais;
- e, sobretudo, aumentar exponencialmente suas
chances de êxito na licitação.
Qual o maior desafio que você enfrenta quanto a esse aspecto do processo licitatório?
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