quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Os Principais Erros em Recursos e Impugnações de Editais


 

Introdução

O mundo das licitações e contratos administrativos não é apenas um ambiente de negócios regido pelo menor preço; é um ambiente de alta complexidade jurídica e processual. A precisão na redação do edital exige atenção rigorosa a cada detalhe formal, e a gestão de prazos demanda estrito controle para evitar a preclusão de direitos. O êxito neste contexto não é determinado exclusivamente pela apresentação da proposta de preço mais vantajosa, mas sim pela competência estratégica em lidar com os requisitos de legalidade, formalidade e compliance inerentes ao procedimento.

A impugnação do edital e o recurso administrativo são instrumentos fundamentais de defesa e questionamento legal à disposição do licitante. No entanto, o que se observa, com grande frequência, são falhas primárias, características de inexperiência, cometidas por empresas de pequeno e grande porte. Essa situação é análoga a um processo em que recursos cruciais não são utilizados de forma eficiente ou são mal empregados, comprometendo seriamente o resultado da participação na licitação.

Tais peças, no contexto das licitações e contratações públicas, representam muito mais do que formalidades a serem cumpridas. Longe de serem meros instrumentos burocráticos ou estratégias vazias, eles constituem mecanismos essenciais de controle da legalidade e de aperfeiçoamento dos procedimentos licitatórios.

É fundamental que tanto os licitantes quanto a Administração Pública vejam essas ferramentas com a seriedade que merecem.

Para o licitante (ou qualquer interessado):

A impugnação do edital é a primeira e mais crucial oportunidade de garantir a isonomia e a competitividade do certame. Ao apontar uma exigência excessiva, uma restrição indevida ou uma cláusula ambígua, o licitante atua ativamente para remover barreiras ilegais que poderiam limitar a participação ou favorecer concorrentes específicos. É um ato que demonstra conhecimento técnico e o compromisso com as regras, convertendo-se em uma vantagem estratégica legítima.

Já o recurso administrativo, apresentado após decisões que geram prejuízo (como inabilitação ou desclassificação), é o exercício do direito de petição e do contraditório. Ele permite reverter atos administrativos equivocados ou ilegais, garantindo que o proponente devidamente qualificado não seja excluído injustamente. Sua força reside na fundamentação técnica e jurídica robusta, que deve demonstrar o erro da Administração, e não apenas o mero inconformismo.

Para a Administração Pública:

Esses instrumentos funcionam como um controle externo de legalidade exercido pelos próprios participantes do mercado. O acolhimento de uma impugnação ou de um recurso bem fundamentado não deve ser visto como uma derrota, mas sim como uma oportunidade de saneamento do processo. Ao corrigir falhas no edital ou em decisões intermediárias, a Administração:

* Evita futuras anulações por parte dos órgãos de controle (como Tribunais de Contas) ou do Poder Judiciário.

* Aumenta a transparência e a confiança no processo.

* Garante a seleção da proposta mais vantajosa, ao permitir que um maior número de licitantes qualificados participe em condições justas.

Portanto, o uso consciente e técnico da impugnação e do recurso transforma o processo administrativo em um diálogo qualificado entre o particular e o poder público, assegurando a lisura e a eficácia da contratação. Ignorar seu potencial ou tratá-los com leviandade é desperdiçar uma poderosa ferramenta de conformidade legal.

Sobre o assunto, vide:

* Estratégias para elaborar um bom recurso administrativo ou impugnação a edital

* Impugnação de edital de licitação e recurso administrativo - A importância da fundamentação

 

* O Passo a Passo para Impugnar e Inabilitar Empresas na Disputa

A Impugnação de Edital: A Arte de Atacar

A impugnação é a sua chance de moldar as regras do jogo antes que ele comece. É o momento de apontar falhas no edital, vícios de legalidade, obscuridades, ou, em casos mais audaciosos, direcionamentos que ferem a competitividade. Muitos a tratam como um mero formalismo. Este é o primeiro grande erro.

A impugnação deve ser uma peça de alta engenharia jurídica, não uma lista de reclamações.

Erro Fatal nº 1 – Não Manifestar Intenção de Recorrer na Sessão

Base legal: Art. 165, §1º, I.

O recurso só é admitido se a empresa manifestar intenção imediata ao final da sessão.

Caso o licitante venha ser inabilitado ou desclassificado, mas não declara sua intenção de recorrer na plataforma (ex.: ComprasNet), perde o direito de recorrer.

Sempre manifeste a intenção, mesmo que vá desistir depois. Melhor garantir o direito.

3.3. Erro Fatal nº 2 – Argumentos de Mérito x Argumentos de Forma

Muitas empresas confundem “erro formal” com “erro material”.

O edital exige certidão negativa estadual. A empresa apresenta apenas a federal. O recurso tenta alegar que isso é “mero detalhe”, mas, na verdade, trata-se de inabilitação legítima.

Não se deve confundir erro sanável (art. 64, Lei nº 14.133/2021) com falha insanável.

Sobre o assunto, vide:

* Erros Materiais e Formais em Licitações

Erro Fatal nº 3 – Uso de Linguagem Emocional ou Agressiva

Muitos recursos são escritos em tom de “protesto” ou “desabafo”, sem técnica jurídica.

Em trechos como: “Está claro que este pregoeiro não sabe aplicar a lei”, invariavelmente obterá como resultado a rejeição do recurso por falta de objetividade.

Utilize-se de linguagem técnica, descrevendo detalhadamente a situação fática concreta, fundamentada em dispositivos legais, na doutrina especializada e na jurisprudência dos tribunais judicias e dos tribunais de contas, bem como em precedentes. Dessa forma, suas chances de êxito aumentarão exponencialmente!

Erro Fatal nº 4: A Análise Superficial do Edital

O maior erro é subestimar a fase preparatória. O licitante lê o edital, foca no objeto e no preço, e ignora o restante. O edital, contudo, é um universo de cláusulas, anexos, modelos de declaração, planilhas e projetos básicos.

Imagine o edital como um iceberg. A maioria dos licitantes enxerga apenas a ponta — o objeto e o valor estimado. Mas a verdadeira ameaça está submersa: as exigências de habilitação excessivas, as cláusulas de execução genéricas ou as especificações técnicas imprecisas que, no futuro, podem gerar multas ou até a inexecução contratual com a consequente rescisão contratual.

A análise deve ser minuciosa, linha por linha. Pergunte-se:

* As exigências de habilitação são proporcionais e relevantes para o objeto?

* As regras de julgamento da proposta são claras e objetivas?

* Há ambiguidade que pode dar margem à interpretação discricionária do pregoeiro ou da comissão de licitação?

A inércia nesta fase é a passividade que se paga com a desclassificação ou, pior, com prejuízos futuros.

O Recurso Administrativo: O Contra-Ataque Estratégico

O recurso é a ferramenta de defesa após a abertura da licitação. Seja para questionar a desclassificação de sua proposta, a inabilitação de sua empresa, ou a habilitação e a proposta de um concorrente. A maioria dos licitantes, entretanto, o trata como um grito de socorro desesperado. Este é o segundo grande erro.

O recurso é uma peça técnica, formal e estratégica, não um desabafo.

Erro Fatal nº 5: A Ausência de Fundamentação Jurídica Sólida

A tentação é grande: a empresa é inabilitada por falta de um documento, e a primeira reação é "isso é um absurdo!". O recurso, então, se torna um texto emocional, sem a devida base legal.

Muitas impugnações são redigidas como “reclamações genéricas”, sem indicar artigos de lei, jurisprudência, doutrina ou princípios aplicáveis.

Como consequência, o julgador (pregoeiro ou comissão) rejeita o pedido por ausência de fundamentação.

É vital que cada argumento seja amparado em lei e em jurisprudência. A simples alegação de que a decisão é "injusta" ou "arbitrária" não convence. É necessário demonstrar, com rigor e clareza, qual norma foi violada.

Exemplo: Se sua empresa foi inabilitada por não apresentar um atestado de capacidade técnica, e o edital exigia um número mínimo de atestados, mas a lei só exige um único atestado, você não deve simplesmente dizer que a exigência é "excessiva". Você deve também argumentar, por exemplo, que o edital violou o princípio da legalidade e da competitividade, estabelecidos na legislação de licitações, citando os dispositivos legais aplicáveis.

A jurisprudência, especialmente a dos Tribunais de Contas e do Superior Tribunal de Justiça, bem como a doutrina, são seus grandes aliados. Elas são a bússola para a interpretação das normas. A sua busca deve ser por trechos doutrinários e  acórdãos recentes, que confirmem a ilegalidade da exigência ou da decisão do pregoeiro ou da comissão. Um recurso desprovido de citações legislativas e de base doutrinária e jurisprudencial se mostrará tecnicamente fraco e com poucas chances de acolhimento.

Sempre cite dispositivos legais e precedentes. Isso dá densidade jurídica e força persuasiva ao pedido.

Erro Fatal nº 6: A Falta de Estratégia no Pedido

Muitos recursos não são claros em seus pedidos. O que se espera da Administração? A inabilitação do concorrente? A sua reabilitação? A anulação da fase de habilitação?

A petição deve ser cirúrgica. Ao final do recurso, o pedido deve ser explícito, claro e técnica e juridicamente possível.

Conclusão: A Supremacia da Inteligência Jurídica

A vitória em licitações não é apenas para os “mais baratos”, mas para os mais preparados. A impugnação de edital e o recurso administrativo são as armas dos estrategistas, não dos reativos. A verdadeira maestria se revela na capacidade de prever riscos, fundamentar argumentos com precisão e articular uma estratégia que se sustente na lógica e na lei.

No campo das licitações, a estratégia é fundamental: toda ação tem impacto significativo, e a desvantagem é de quem negligencia o aprendizado com os erros, e não de quem falha. O conhecimento que você adquiriu é sua vantagem competitiva. Aplique-o com inteligência, e que os próximos processos sejam conduzidos com a solidez da sua análise, e não com a dependência da sorte."

Deve-se, por exemplo, antecipar os movimentos do julgador, ou seja, você deve se colocar na posição de pregoeiro ou de membro da comissão e imaginar qual seria sua decisão em relação aos argumentos apresentados por você. Então, de antemão você apresenta o contra-argumento, bloqueando a ação do agente público.

Erro Fatal nº 7 – A Perda do Prazo

A perda do prazo estabelecido para a interposição de recursos administrativos ou para a impugnação do edital de licitação é um ponto crítico no Direito Administrativo, cujas consequências recaem sobre o princípio da Preclusão.

A Preclusão Administrativa

No âmbito do processo licitatório, os prazos não são meras sugestões, mas sim limites temporais que, uma vez superados, resultam na perda da faculdade de praticar o ato. Esse fenômeno é conhecido como preclusão temporal. Quando um licitante deixa de impugnar o edital ou de interpor recurso contra um ato em tempo hábil, ele perde o direito de questionar aquela matéria nas fases subsequentes ou de insistir na via administrativa.

Consequências da Perda do Prazo:

1. Impossibilidade de Conhecimento: O recurso ou a impugnação protocolada fora do prazo legal ou editalício é considerado intempestivo. A Administração Pública tem o dever de não o conhecer, ou seja, de sequer analisar seu mérito, rejeitando-o liminarmente.

2. Aceitação Tácita das Regras: A ausência de impugnação ao edital no prazo adequado é interpretada, via de regra, como aceitação tácita das regras do certame. Isso significa que, se o licitante for inabilitado ou desclassificado com base em uma cláusula que ele considerava ilegal ou restritiva, não poderá utilizar essa ilegalidade como fundamento para um recurso posterior, pois a oportunidade de questioná-la já se esgotou.

3. Segurança Jurídica e Celeridade: A rigidez dos prazos garante a segurança jurídica e a celeridade do procedimento. Se os prazos pudessem ser ignorados, o processo licitatório ficaria sujeito a questionamentos ad eternum, comprometendo a estabilidade das relações contratuais e o interesse público na conclusão da contratação.

4. Exaurimento da Via Administrativa: Para o licitante prejudicado, a intempestividade do recurso significa que ele perde a chance de reverter o ato dentro da própria Administração. Embora o direito de petição na esfera judicial ainda possa ser exercido, a ausência de um recurso administrativo tempestivo e devidamente fundamentado pode enfraquecer a argumentação em eventual mandado de segurança.

Em suma, o cumprimento estrito dos prazos para impugnação e recurso é um requisito de admissibilidade. É um elemento de grande relevância estratégica, pois a falta de atenção a ele transforma um direito de controle (impugnar/recorrer) em uma inércia que pode ser fatal para a participação da empresa no processo licitatório.

Base legal:

“Art. 164. Qualquer pessoa é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei ou para solicitar esclarecimento sobre os seus termos, devendo protocolar o pedido até 3 (três) dias úteis antes da data de abertura do certame.

Parágrafo único. A resposta à impugnação ou ao pedido de esclarecimento será divulgada em sítio eletrônico oficial no prazo de até 3 (três) dias úteis, limitado ao último dia útil anterior à data da abertura do certame.”

 

 

“Art. 165. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:

I - recurso, no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da data de intimação ou de lavratura da ata, em face de:

(...)

II - pedido de reconsideração, no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da data de intimação, relativamente a ato do qual não caiba recurso hierárquico.

(...)

I - a intenção de recorrer deverá ser manifestada imediatamente, sob pena de preclusão, e o prazo para apresentação das razões recursais previsto no inciso I do caput deste artigo será iniciado na data de intimação ou de lavratura da ata de habilitação ou inabilitação ou, na hipótese de adoção da inversão de fases prevista no § 1º do art. 17 desta Lei, da ata de julgamento;

(...)

§ 2º O recurso de que trata o inciso I do caput deste artigo será dirigido à autoridade que tiver editado o ato ou proferido a decisão recorrida, que, se não reconsiderar o ato ou a decisão no prazo de 3 (três) dias úteis, encaminhará o recurso com a sua motivação à autoridade superior, a qual deverá proferir sua decisão no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, contado do recebimento dos autos.

(...)”

 

 

“Art. 166. Da aplicação das sanções previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 156 desta Lei caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação.

Parágrafo único. O recurso de que trata o caput deste artigo será dirigido à autoridade que tiver proferido a decisão recorrida, que, se não a reconsiderar no prazo de 5 (cinco) dias úteis, encaminhará o recurso com sua motivação à autoridade superior, a qual deverá proferir sua decisão no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, contado do recebimento dos autos.”

 

 

“Art. 167. Da aplicação da sanção prevista no inciso IV do caput do art. 156 desta Lei caberá apenas pedido de reconsideração, que deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação, e decidido no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, contado do seu recebimento.”

 

 

“Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa;

III - impedimento de licitar e contratar;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

(...)”

 

Erro Fatal nº 8 – Impugnar sem Provar o Prejuízo

O princípio do interesse recursal também se aplica à impugnação.

Muitas vezes, empresas impugnam cláusulas que não lhes afetam diretamente, e o pedido é rejeitado por falta de pertinência subjetiva.

É sempre conveniente demonstrar eventuais prejuízos decorrentes de exigência ou da ausência de exigência no instrumento convocatório, com vistas a conferir maior solides aos argumentos apresentados.

Suponha que uma microempresa impugna a ausência de exigência de capital social mínimo, mas não demonstra como isso compromete sua participação. O órgão pode vir a entender que não há prejuízo direto para o licitante.

Sempre que possível, demonstre de forma clara o impacto da cláusula no seu direito de participar em condições de igualdade.

Erro Fatal nº 9 – Confundir Impugnação com Pedido de Esclarecimento

Base legal:

“Art. 164. Qualquer pessoa é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei ou para solicitar esclarecimento sobre os seus termos, devendo protocolar o pedido até 3 (três) dias úteis antes da data de abertura do certame.

Parágrafo único. A resposta à impugnação ou ao pedido de esclarecimento será divulgada em sítio eletrônico oficial no prazo de até 3 (três) dias úteis, limitado ao último dia útil anterior à data da abertura do certame.”

Muitas vezes, empresas apresentam impugnações como se fossem questionamentos. O resultado não poderia ser outro: o órgão entende que não há vício, apenas dúvida, e rejeita o pedido.

Assim, por exemplo, perguntar “se atestado de capacidade técnica precisa comprovar 50% dos quantitativos” não é impugnação, mas pedido de esclarecimento.

Se há ilegalidade, utilize impugnação. Se há dúvida, use pedido de esclarecimento.

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