Introdução
O mundo das
licitações e contratos administrativos não é apenas um ambiente de negócios
regido pelo menor preço; é um ambiente de alta complexidade jurídica e
processual. A precisão na redação do edital exige atenção rigorosa a cada
detalhe formal, e a gestão de prazos demanda estrito controle para evitar a
preclusão de direitos. O êxito neste contexto não é determinado exclusivamente
pela apresentação da proposta de preço mais vantajosa, mas sim pela competência
estratégica em lidar com os requisitos de legalidade, formalidade e compliance
inerentes ao procedimento.
A impugnação do edital e o recurso administrativo são instrumentos
fundamentais de defesa e questionamento legal à disposição do licitante. No
entanto, o que se observa, com grande frequência, são falhas primárias,
características de inexperiência, cometidas por empresas de pequeno e grande
porte. Essa situação é análoga a um processo em que recursos cruciais não são
utilizados de forma eficiente ou são mal empregados, comprometendo seriamente o
resultado da participação na licitação.
Tais peças, no contexto das licitações e contratações públicas,
representam muito mais do que formalidades a serem cumpridas. Longe de serem
meros instrumentos burocráticos ou estratégias vazias, eles constituem
mecanismos essenciais de controle da legalidade e de aperfeiçoamento dos
procedimentos licitatórios.
É fundamental que tanto os licitantes quanto a Administração
Pública vejam essas ferramentas com a seriedade que merecem.
Para
o licitante (ou qualquer interessado):
A impugnação do edital é a primeira e mais crucial oportunidade de
garantir a isonomia e a competitividade do certame. Ao apontar uma exigência
excessiva, uma restrição indevida ou uma cláusula ambígua, o licitante atua
ativamente para remover barreiras ilegais que poderiam limitar a participação
ou favorecer concorrentes específicos. É um ato que demonstra conhecimento
técnico e o compromisso com as regras, convertendo-se em uma vantagem
estratégica legítima.
Já o recurso administrativo, apresentado após decisões que geram
prejuízo (como inabilitação ou desclassificação), é o exercício do direito de
petição e do contraditório. Ele permite reverter atos administrativos
equivocados ou ilegais, garantindo que o proponente devidamente qualificado não
seja excluído injustamente. Sua força reside na fundamentação técnica e
jurídica robusta, que deve demonstrar o erro da Administração, e não apenas o
mero inconformismo.
Para
a Administração Pública:
Esses instrumentos funcionam como um controle externo de
legalidade exercido pelos próprios participantes do mercado. O acolhimento de
uma impugnação ou de um recurso bem fundamentado não deve ser visto como uma
derrota, mas sim como uma oportunidade de saneamento do processo. Ao corrigir
falhas no edital ou em decisões intermediárias, a Administração:
* Evita futuras anulações por
parte dos órgãos de controle (como Tribunais de Contas) ou do Poder Judiciário.
* Aumenta a transparência e a
confiança no processo.
* Garante a seleção da proposta
mais vantajosa, ao permitir que um maior número de licitantes qualificados
participe em condições justas.
Portanto, o uso consciente e técnico da impugnação e do recurso
transforma o processo administrativo em um diálogo qualificado entre o
particular e o poder público, assegurando a lisura e a eficácia da contratação.
Ignorar seu potencial ou tratá-los com leviandade é desperdiçar uma poderosa
ferramenta de conformidade legal.
Sobre o assunto, vide:
* Estratégias para elaborar um bom recurso administrativo ou
impugnação a edital
* Impugnação de edital de licitação e recurso administrativo -
A importância da fundamentação
* O Passo a Passo para Impugnar e Inabilitar Empresas na
Disputa
A Impugnação de Edital: A Arte de Atacar
A impugnação é a sua chance de moldar as regras do jogo antes que
ele comece. É o momento de apontar falhas no edital, vícios de legalidade,
obscuridades, ou, em casos mais audaciosos, direcionamentos que ferem a
competitividade. Muitos a tratam como um mero formalismo. Este é o primeiro
grande erro.
A impugnação deve ser uma peça de alta engenharia jurídica,
não uma lista de reclamações.
Erro Fatal nº 1 – Não
Manifestar Intenção de Recorrer na Sessão
Base
legal: Art. 165,
§1º, I.
O recurso só é admitido se a empresa manifestar
intenção imediata ao final da sessão.
Caso o
licitante venha ser inabilitado ou desclassificado, mas não declara sua
intenção de recorrer na plataforma (ex.: ComprasNet), perde o direito de recorrer.
Sempre manifeste a intenção, mesmo que vá desistir depois. Melhor
garantir o direito.
3.3. Erro Fatal nº 2 –
Argumentos de Mérito x Argumentos de Forma
Muitas empresas confundem “erro formal” com “erro material”.
O edital exige certidão negativa estadual. A empresa apresenta
apenas a federal. O recurso tenta alegar que isso é “mero detalhe”, mas, na
verdade, trata-se de inabilitação legítima.
Não se deve confundir erro sanável
(art. 64, Lei nº 14.133/2021) com falha insanável.
Sobre o assunto, vide:
* Erros Materiais e Formais em Licitações
Erro Fatal nº 3 – Uso de
Linguagem Emocional ou Agressiva
Muitos recursos são escritos em tom de “protesto” ou “desabafo”,
sem técnica jurídica.
Em trechos como: “Está claro que este pregoeiro não sabe aplicar a lei”,
invariavelmente obterá como resultado a rejeição do recurso por
falta de objetividade.
Utilize-se de linguagem técnica, descrevendo detalhadamente a
situação fática concreta, fundamentada em dispositivos legais, na doutrina
especializada e na jurisprudência dos tribunais judicias e dos tribunais de
contas, bem como em precedentes. Dessa forma, suas chances de êxito aumentarão
exponencialmente!
Erro Fatal nº 4: A Análise
Superficial do Edital
O maior erro é subestimar a fase preparatória. O licitante lê o
edital, foca no objeto e no preço, e ignora o restante. O edital, contudo, é um
universo de cláusulas, anexos, modelos de declaração, planilhas e projetos
básicos.
Imagine o edital como um iceberg. A maioria dos licitantes enxerga
apenas a ponta — o objeto e o valor estimado. Mas a verdadeira ameaça está
submersa: as exigências de habilitação excessivas, as cláusulas de
execução genéricas ou as especificações técnicas imprecisas que,
no futuro, podem gerar multas ou até a inexecução contratual com a consequente rescisão
contratual.
A análise deve ser minuciosa, linha por linha. Pergunte-se:
* As exigências de habilitação são
proporcionais e relevantes para o objeto?
* As regras de julgamento da
proposta são claras e objetivas?
* Há ambiguidade que pode dar
margem à interpretação discricionária do pregoeiro ou da comissão de licitação?
A inércia nesta fase é a passividade que se paga com a
desclassificação ou, pior, com prejuízos futuros.
O Recurso Administrativo: O Contra-Ataque Estratégico
O recurso é a ferramenta de defesa após a abertura da licitação.
Seja para questionar a desclassificação de sua proposta, a inabilitação de sua
empresa, ou a habilitação e a proposta de um concorrente. A maioria dos
licitantes, entretanto, o trata como um grito de socorro desesperado. Este é
o segundo grande erro.
O recurso é uma peça técnica, formal e estratégica, não um desabafo.
Erro Fatal nº 5: A Ausência
de Fundamentação Jurídica Sólida
A tentação é grande: a empresa é inabilitada por falta de um
documento, e a primeira reação é "isso é um absurdo!". O recurso,
então, se torna um texto emocional, sem a devida base legal.
Muitas impugnações são redigidas como “reclamações genéricas”, sem
indicar artigos de lei, jurisprudência, doutrina ou princípios aplicáveis.
Como consequência, o julgador
(pregoeiro ou comissão) rejeita o pedido por ausência de
fundamentação.
É vital que cada argumento seja amparado em lei e em
jurisprudência. A simples alegação de que a decisão é "injusta"
ou "arbitrária" não convence. É necessário demonstrar, com rigor e
clareza, qual norma foi violada.
Exemplo:
Se sua empresa foi inabilitada por não apresentar um atestado de capacidade
técnica, e o edital exigia um número mínimo de atestados, mas a lei só exige um
único atestado, você não deve simplesmente dizer que a exigência é
"excessiva". Você deve também argumentar, por exemplo, que o edital
violou o princípio da legalidade e da competitividade,
estabelecidos na legislação de licitações, citando os dispositivos legais
aplicáveis.
A jurisprudência, especialmente a dos Tribunais de Contas e
do Superior Tribunal de Justiça, bem como a doutrina, são seus grandes
aliados. Elas são a bússola para a interpretação das normas. A sua busca deve
ser por trechos doutrinários e acórdãos
recentes, que confirmem a ilegalidade da exigência ou da decisão do pregoeiro
ou da comissão. Um recurso desprovido de
citações legislativas e de base doutrinária e jurisprudencial se mostrará
tecnicamente fraco e com poucas chances de acolhimento.
Sempre cite dispositivos legais e precedentes.
Isso dá densidade jurídica e força persuasiva ao pedido.
Erro Fatal nº 6: A Falta de
Estratégia no Pedido
Muitos recursos não são claros em seus pedidos. O que se espera da
Administração? A inabilitação do concorrente? A sua reabilitação? A anulação da
fase de habilitação?
A petição deve ser cirúrgica. Ao final do recurso, o pedido
deve ser explícito, claro e técnica e juridicamente possível.
Conclusão: A Supremacia da Inteligência Jurídica
A vitória em licitações não é apenas para os “mais baratos”, mas
para os mais preparados. A impugnação de edital e o recurso
administrativo são as armas dos estrategistas, não dos reativos. A
verdadeira maestria se revela na capacidade de prever riscos, fundamentar
argumentos com precisão e articular uma estratégia que se sustente
na lógica e na lei.
No campo das licitações, a estratégia é fundamental: toda ação tem
impacto significativo, e a desvantagem é de quem negligencia o aprendizado com
os erros, e não de quem falha. O conhecimento que você adquiriu é sua vantagem
competitiva. Aplique-o com inteligência, e que os próximos processos sejam
conduzidos com a solidez da sua análise, e não com a dependência da
sorte."
Deve-se, por exemplo, antecipar os movimentos do julgador, ou
seja, você deve se colocar na posição de pregoeiro ou de membro da comissão e
imaginar qual seria sua decisão em relação aos argumentos apresentados por
você. Então, de antemão você apresenta o contra-argumento, bloqueando a ação do
agente público.
Erro Fatal nº 7 – A Perda do
Prazo
A perda do prazo
estabelecido para a interposição de recursos administrativos ou para a
impugnação do edital de licitação é um ponto crítico no Direito Administrativo,
cujas consequências recaem sobre o princípio da Preclusão.
A Preclusão
Administrativa
No âmbito do
processo licitatório, os prazos não são meras sugestões, mas sim limites
temporais que, uma vez superados, resultam na perda da faculdade de praticar o
ato. Esse fenômeno é conhecido como preclusão temporal. Quando um licitante
deixa de impugnar o edital ou de interpor recurso contra um ato em tempo hábil,
ele perde o direito de questionar aquela matéria nas fases subsequentes ou de
insistir na via administrativa.
Consequências
da Perda do Prazo:
1. Impossibilidade
de Conhecimento: O recurso ou a impugnação protocolada fora do prazo legal ou
editalício é considerado intempestivo. A Administração Pública tem o dever de
não o conhecer, ou seja, de sequer analisar seu mérito, rejeitando-o
liminarmente.
2. Aceitação
Tácita das Regras: A ausência de impugnação ao edital no prazo adequado é
interpretada, via de regra, como aceitação tácita das regras do certame. Isso
significa que, se o licitante for inabilitado ou desclassificado com base em
uma cláusula que ele considerava ilegal ou restritiva, não poderá utilizar essa
ilegalidade como fundamento para um recurso posterior, pois a oportunidade de
questioná-la já se esgotou.
3. Segurança
Jurídica e Celeridade: A rigidez dos prazos garante a segurança jurídica e a
celeridade do procedimento. Se os prazos pudessem ser ignorados, o processo
licitatório ficaria sujeito a questionamentos ad eternum, comprometendo a
estabilidade das relações contratuais e o interesse público na conclusão da
contratação.
4. Exaurimento
da Via Administrativa: Para o licitante prejudicado, a intempestividade do
recurso significa que ele perde a chance de reverter o ato dentro da própria
Administração. Embora o direito de petição na esfera judicial ainda possa ser
exercido, a ausência de um recurso administrativo tempestivo e devidamente
fundamentado pode enfraquecer a argumentação em eventual mandado de segurança.
Em suma, o
cumprimento estrito dos prazos para impugnação e recurso é um requisito de
admissibilidade. É um elemento de grande relevância estratégica, pois a falta
de atenção a ele transforma um direito de controle (impugnar/recorrer) em uma
inércia que pode ser fatal para a participação da empresa no processo
licitatório.
Base legal:
“Art. 164. Qualquer pessoa é parte legítima para impugnar edital
de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei ou para solicitar
esclarecimento sobre os seus termos, devendo protocolar o pedido até 3 (três) dias úteis antes da
data de abertura do certame.
Parágrafo único. A resposta à
impugnação ou ao pedido de esclarecimento será divulgada em sítio eletrônico
oficial no prazo de até 3 (três) dias
úteis, limitado ao último dia útil anterior à data da abertura do
certame.”
“Art. 165. Dos atos da
Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:
I - recurso, no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da
data de intimação ou de lavratura da ata, em face de:
II - pedido de reconsideração, no
prazo de 3 (três) dias úteis,
contado da data de intimação, relativamente a ato do qual não caiba recurso
hierárquico.
I - a intenção de recorrer deverá
ser manifestada imediatamente,
sob pena de preclusão, e o prazo para apresentação das razões recursais
previsto no inciso I do caput deste
artigo será iniciado na data de intimação ou de lavratura da ata de habilitação
ou inabilitação ou, na hipótese de adoção da inversão de fases prevista
no § 1º do art. 17 desta Lei, da ata de julgamento;
§ 2º O recurso de que trata o
inciso I do caput deste
artigo será dirigido à autoridade que tiver editado o ato ou proferido a
decisão recorrida, que, se não reconsiderar o ato ou a decisão no prazo de 3 (três) dias úteis, encaminhará
o recurso com a sua motivação à autoridade superior, a qual deverá proferir sua
decisão no prazo máximo de 10 (dez)
dias úteis, contado do recebimento dos autos.
“Art. 166. Da aplicação das
sanções previstas nos incisos I, II e III do caput do
art. 156 desta Lei caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data da intimação.
Parágrafo único. O recurso de que
trata o caput deste artigo será dirigido à autoridade que
tiver proferido a decisão recorrida, que, se não a reconsiderar no prazo de 5 (cinco) dias úteis,
encaminhará o recurso com sua motivação à autoridade superior, a qual deverá
proferir sua decisão no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, contado do
recebimento dos autos.”
“Art. 167. Da aplicação da sanção
prevista no inciso IV do caput do art. 156 desta
Lei caberá apenas pedido de reconsideração, que deverá ser apresentado no
prazo de 15 (quinze) dias úteis,
contado da data da intimação, e decidido no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis, contado
do seu recebimento.”
“Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações
administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:
III - impedimento de licitar e
contratar;
IV - declaração de inidoneidade
para licitar ou contratar.
(...)”
Erro Fatal nº 8 – Impugnar
sem Provar o Prejuízo
O princípio do interesse
recursal também se aplica à impugnação.
Muitas vezes, empresas
impugnam cláusulas que não lhes afetam diretamente, e o pedido é rejeitado por falta
de pertinência subjetiva.
É sempre conveniente
demonstrar eventuais prejuízos decorrentes de exigência ou da ausência de
exigência no instrumento convocatório, com vistas a conferir maior solides aos
argumentos apresentados.
Suponha que uma microempresa impugna a ausência de exigência de
capital social mínimo, mas não demonstra como isso compromete sua participação.
O órgão pode vir a entender que não há prejuízo direto para o licitante.
Sempre que possível, demonstre de forma clara o
impacto da cláusula no seu direito de participar em condições de igualdade.
Erro Fatal nº 9 – Confundir
Impugnação com Pedido de Esclarecimento
Base legal:
“Art. 164. Qualquer pessoa é parte legítima para
impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei ou para
solicitar esclarecimento sobre os seus termos, devendo protocolar o pedido até
3 (três) dias úteis antes da data de abertura do certame.
Parágrafo único. A resposta à impugnação ou ao pedido
de esclarecimento será divulgada em sítio eletrônico oficial no prazo de até 3
(três) dias úteis, limitado ao último dia útil anterior à data da abertura do
certame.”
Muitas vezes, empresas apresentam impugnações como se fossem questionamentos.
O resultado não poderia ser outro: o órgão entende que não há vício, apenas
dúvida, e rejeita o pedido.
Assim, por
exemplo, perguntar “se atestado de capacidade
técnica precisa comprovar 50% dos quantitativos” não é impugnação, mas pedido
de esclarecimento.
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