sexta-feira, 25 de julho de 2025

O Menor Preço Sempre Vence?

 



“Entre a sedução da economia aparente e a racionalidade da escolha mais vantajosa.”


Introdução

A velha máxima popular de que “o menor preço sempre vence” ainda reverbera nos corredores da Administração Pública e nas estratégias de muitos licitantes. Contudo, à luz do ordenamento jurídico vigente — especialmente após a promulgação da Lei nº 14.133/2021 — essa assertiva não apenas é ultrapassada, como pode ser perigosa quando interpretada de forma literal ou mecanicista.

1. O critério do menor preço na legislação: o que diz a norma?

Lei nº 14.133/2021

A nova lei, no art. 33, dispõe sobre os critérios de julgamento, entre os quais se destaca:

Art. 33. O julgamento das propostas será realizado de acordo com os seguintes critérios:

I – menor preço;

II – maior desconto;

III – melhor técnica ou conteúdo artístico;

IV – técnica e preço;

V – maior retorno econômico.

A escolha do critério deve atender ao interesse público concreto, nos termos do art. 11, que exige que o objeto da contratação atenda ao princípio da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. Isto significa que nem sempre a proposta mais barata corresponde à mais vantajosa.

Lei nº 10.520/2002 e Decreto nº 10.024/2019

Ambos mantêm o menor preço como critério central dos pregões, mas condicionam sua validade à exequibilidade e à compatibilidade com as especificações técnicas do objeto, além da vantajosidade comprovada.

“Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

I - contiverem vícios insanáveis;

II - não obedecerem às especificações técnicas pormenorizadas no edital;

III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;

IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração;

V - apresentarem desconformidade com quaisquer outras exigências do edital, desde que insanável.

§ 1º A verificação da conformidade das propostas poderá ser feita exclusivamente em relação à proposta mais bem classificada.

§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.

§ 3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.

§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.

§ 5º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, será exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração, equivalente à diferença entre este último e o valor da proposta, sem prejuízo das demais garantias exigíveis de acordo com esta Lei.” (Lei 14.133/2021)

2. Quando o menor preço não vence — e não deve vencer

Situações críticas que demandam cuidado:

Situação

Risco Jurídico

Fundamento Legal

Proposta inexequível

Prejuízo contratual e risco de inexecução (rescisão unilateral, aditivos onerosos, glosa orçamentária etc.)

Art. 59, §§ 1º ao 5º, da Lei 14.133/21, e Súmula 262 do TCU

Objeto de alta complexidade técnica

Prejuízo à qualidade

Art. 34 da Lei 14.133/21

Menor preço com cláusula técnica vaga no edital

Risco de judicialização e nulidade

Princípios da isonomia, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo

3. O perigo do menor preço aparente: quando a economia se transforma em prejuízo

O valor enganoso e o espelho falso

O "menor preço" é miragem: atrativo à primeira vista, mas, muitas vezes, traiçoeiro. Sob a lógica da economia rentista, ele seduz licitantes e gestores públicos, estimulando ofertas com margem reduzida em detrimento da viabilidade técnica. No entanto, tal economia superficial pode desembocar na ruína contratual: atrasos, aditivos onerosos ou até abandono do objeto, desvirtuando a finalidade pública do contrato.

Fundamentos legais e o art. 59 da Lei 14.133/2021

O art. 59, § 4º, da Lei nº 14.133/2021 estabelece que propostas abaixo de 75 % do orçamento estimado em obras e serviços de engenharia podem ser consideradas inexequíveis. Contudo, esse dispositivo não autoriza desclassificação automática: o § 2º impõe à Administração a obrigação de oportunizar ao licitante a comprovação da viabilidade da proposta.

Jurisprudência do TCU: presunção relativa, não absoluta

Acórdão 465/2024 – Plenário (rel. Min. Benjamin Zymler)

O TCU concluiu que o critério do § 4º do art. 59 não gera presunção absoluta de inexequibilidade, mas relativa. A Administração deve promover diligência e permitir que o licitante justifique o preço proposto, nos termos do § 2º do art. 59 da Lei 14.133/2021.

“Diligência não é luxo: é escudo contra a falsa economia.”

Acórdão 803/2024 – Plenário (rel. Min. Benjamin Zymler)

A corte analisou edital que impunha a desclassificação sumária de valores abaixo de 75 %, dispondo que tal critério não sobrepõe o § 2º: a diligência continua sendo medida indispensável.

Acórdão 2.088/2024 – 2ª Câmara (rel. Min. Augusto Nardes)

Trata-se de representação contra a desclassificação de proposta por inexequibilidade sem diligência. O TCU determinou a reabertura da fase de análises, pois a ausência de oportunização à comprovação da viabilidade frustrou a escolha da proposta mais vantajosa.

Acórdão 214/2025 – Plenário (rel. Min. Jhonatan de Jesus)

Confirmou e consolidou o entendimento: o § 4º do art. 59 da Lei 14.133/2021 impõe presunção relativa de inexequibilidade, devendo a Administração garantir a oportunidade ao licitante de demonstrar exequibilidade da proposta.

E ainda: Acórdão 2378/2024 – Plenário (rel. Min. Benjamin Zymler), que pela veiculação pública oficial do TCU, reafirma a interpretação de presunção relativa e impõe a abertura de fase de diligência para propostas com desconto superior a 25 %, conforme previsto no art. 59, § 2º, da Lei 14.133/2021.

Riscos e consequências práticas

A escolha da proposta aparentemente mais barata, sem avaliação técnica robusta, pode acarretar:

·         Paralisações contratuais e aditivos exorbitantes, onerando o erário.

·         Risco nas garantias requeridas (art. 59, § 5º da Lei 14.133/2021) quando a proposta é demasiadamente baixa sem lastro financeiro.

·         Litígios posteriores e responsabilização por dano ao interesse público.

Contratos mal celebrados geram litígios revisionais, pedidos de tutela de urgência, descumprimentos inadimplentes e potencial responsabilização penal de agentes públicos por improbidade (CF, art. 37, § 4º; Lei 8.429/1992), especialmente quando o menor preço superficial resulta em dano ao erário.

O princípio da eficiência (art. 37, caput, CF) exige que a economicidade não descambe para o prejuízo da finalidade pública. A lógica hermenêutica impõe leitura sistemática entre preço e viabilidade: menor preço real sem técnica contundente fere os princípios da moralidade e da finalidade pública.

4. Critérios alternativos ao menor preço: mais vantajosidade, menos ilusão

Resumo comparativo entre os critérios previstos na Lei nº 14.133/2021:

Critério

Quando usar

Riscos se mal aplicado

Menor preço

Objeto padronizado, ampla concorrência, execução simples

Dumping, baixa qualidade

Maior desconto

Mesma lógica do menor preço, mas sobre tabela oficial (ex: SINAPI)

Subfaturamento ou fraudes

Técnica e preço

Contratações complexas: TI, engenharia de ponta, projetos educacionais

Subjetividade mal fundamentada

Melhor técnica

Casos em que a excelência técnica é mais relevante que o custo (ex: seleção de pareceristas, criação artística)

Risco de dirigismo se critérios forem vagos

Maior retorno econômico

Contratos de eficiência: PPPs, energia, performance

Complexidade de aferição e métricas frágeis

5. O menor preço não é sinônimo de melhor proposta

Do mito ao método racional: o critério do menor preço e seus riscos

Em licitações administrativas, o menor preço — embora frequentemente encarnado como paradigma da economicidade — revela-se um critério redutor. Ele ignora a complexidade técnica, os critérios de desempenho, sustentabilidade jurídica e os imperativos do interesse público. Uma proposta aparentemente imbatível em valor pode, na prática, significar execução deficitária, risco de aditivos contratuais ou paralisação injustificada do serviço.

Tal entendimento não é mera especulação: a Lei nº 14.133/2021 adotou mecanismos para evitar contratações inviáveis ou prejudiciais à eficiência pública. O art. 59, § 4º prescreve que, em obras e serviços de engenharia, propostas inferiores a 75% do valor orçado devem ser consideradas inexequíveis, mas sem cerrar a porta a debate técnico sobre sua viabilidade. O § 2º do mesmo artigo, por sua vez, assegura o direito (dever) de diligência ou comprovação da exequibilidade pela licitante.

Jurisprudência recente do TCU: entre a letra e o espírito da lei

Acórdão 2.198/2023 – Plenário (rel. Min. Jhonatan de Jesus)

Neste julgamento, o TCU interpretou que o art. 59, § 4º da Lei 14.133/2021 configura uma presunção absoluta de inexequibilidade, tornando desnecessárias diligências quando a proposta ficar abaixo de 75% do valor estimado.

Acórdão 465/2024 – Plenário (rel. Min. Augusto Sherman)

Posteriormente, o Tribunal reviu esse entendimento, reafirmando a antiga Súmula 262, e declarou que a presunção é relativa. Assim, mesmo em caso de proposta inferior a 75%, a Administração deve conceder ao licitante a oportunidade de demonstrar exequibilidade, conforme o § 2º do art. 59.

Acórdão 2088/2024 – Segunda Câmara (rel. Min. Augusto Nardes)

No mesmo sentido, consolidou-se o entendimento de que a administração deve abrir fase de diligência, possibilitando a comprovação da viabilidade da proposta antes de sua desclassificação definitiva.

Essas decisões pós-2020 mostram que menor preço pode ser um “sinal vermelho”, e que o licitante deve ter chance técnica de demonstrar que seu valor, por mais enxuto, mantém a exequibilidade diante do objeto contratual.

6. Licitante remanescente

É imprescindível que haja uma análise criteriosa acerca da exequibilidade da proposta apresentada por licitante remanescente, convocado para assumir o contrato na hipótese de desclassificação do primeiro colocado, seja por inabilitação, desclassificação da proposta ou recusa em assinar o contrato.

Sobre esse tema, vide o nosso “Anecessidade de comprovação da exequibilidade da proposta de licitanteremanescente”.

7. Conclusão

O critério do menor preço — se interpretado isoladamente — assume uma tonalidade perigosa: o da falsa economia. A adoção de parâmetros objetivos (como o art. 59 da Lei nº 14.133/2021) e a tutela jurisprudencial recente do TCU (como nos Acórdãos 2.198/2023, 465/2024 e 2088/2024) mostram que o julgamento das propostas deve mesclar análise de VALOR, viabilidade TÉCNICA e comprovação de EXEQUIBILIDADE, sempre com vistas ao interesse público.

A jurisprudência do TCU, especialmente nos acórdãos 465/2024, 803/2024, 2.088/2024, 214/2025 e 2378/2024, consolida que o art. 59 da Lei 14.133/2021 deve ser interpretado em seu conjunto, promovendo diligência e garantindo a oportunidade de justificação às propostas abaixo de 75 % — preservando, assim, o verdadeiro interesse público e a segurança jurídica dos contratos.

O menor preço, por si só, não é critério absoluto nem representa garantia de vantajosidade. A nova Lei de Licitações reforça a ideia de que o julgamento deve considerar a compatibilidade entre preço, técnica e exequibilidade, em respeito ao interesse público e à eficiência administrativa.

Em suma: não basta ser o menor preço — é preciso ser o melhor preço para o objeto, para a gestão e para a sustentabilidade contratual à frente.

Impende ressaltar que a Administração Pública deve adotar maior rigor no exame TÉCNICO e FINANCEIRO das propostas obtidas em licitação, realizando um exame criterioso dos elementos contidos nas ofertas. Em sede de diligência, deve solicitar, p. ex., planilhas de formação de preços e custos, contendo todos os encargos trabalhistas e previdenciários, tributos, insumos, outras planilhas, notas fiscais, os contratos dos quais resultaram as notas fiscais, memórias de cálculo, descrição dos métodos de execução, enfim, deve solicitar toda a documentação que ampare os preços formulados. E, havendo o menor indício de inexequibilidade, deve a Administração desclassificar, com a maior tranquilidade e segurança, a proposta tida por inexequível, a fim de afastar o risco de uma contratação desvantajosa para o erário, desde que o faça de forma devidamente motivada.

Por fim, cabe ponderar que trata-se de avaliar o custo-benefício da desclassificação de proposta evidenciada como inexequível: O que é pior? Desclassificar uma proposta com indícios de inexequibilidade ou enfrentar uma rescisão unilateral de contrato em razão da inexecução e uma posterior contratação emergencial, com os prejuízos financeiros e temporais daí resultantes? O órgão enfrentar uma ação judicial impetrada pela licitante ou o servidor enfrentar o tribunal de contas no seu encalço? A resposta me parece óbvia: o pior será sempre a segunda opção. Afinal, é o CPF do servidor público responsável pelo julgamento que fica na linha de frente... Reflitam... E tendo em vista os inúmeros prejuízos resultantes da cultura do menor preço a qualquer custo, podemos afirmar: o menor preço nem sempre vence!!!


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