“Para fins
do exercício do poder sancionatório do TCU, considera-se erro grosseiro (art.
28 do Decreto-lei 4.657/1942 - LINDB) aquele que poderia ser percebido por pessoa
com diligência abaixo do normal ou que poderia ser evitado por pessoa com nível
de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância do dever de
cuidado. Associar culpa grave à conduta desviante da que seria esperada do
homem médio significa tornar aquela idêntica à culpa comum ou ordinária,
negando eficácia às mudanças promovidas pela Lei 13.655/2018 na LINDB, que
buscaram instituir novo paradigma de avaliação da culpabilidade dos agentes
públicos, tornando mais restritos os critérios de responsabilização.” (TCU - Acórdão 63/2023, Primeira
Câmara - Relator: BENJAMIN ZYMLER)
COMENTÁRIOS:
A jurisprudência em questão toca um ponto central sobre a interpretação restritiva do erro grosseiro, no contexto do poder sancionatório do Tribunal de Contas da União (TCU), com base no art. 28 do Decreto-Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), e as alterações trazidas pela Lei 13.655/2018.
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões
ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
§ 1º (VETADO).
§ 2º (VETADO).
§ 3º (VETADO).
O texto define o erro grosseiro como aquele que:
* Poderia ser percebido por uma pessoa com diligência abaixo do normal (ou seja, mesmo com baixa atenção);
* Poderia ser
evitado por alguém com nível de atenção aquém do ordinário;
* Decorre de grave
inobservância do dever de cuidado.
Essa definição tradicional associa o erro grosseiro à culpa grave, ou seja, uma falha evidente e inexcusável.
A lei de 2018 alterou a LINDB justamente para evitar responsabilizações excessivas por erros que não sejam manifestamente graves ou inexcusáveis.
De fato, equiparar erro grosseiro à culpa comum — ou à conduta esperada do "homem médio" — distorce o espírito da Lei nº 13.655/2018, que procurou estabelecer um novo marco para a responsabilização do agente público com base na culpabilidade qualificada, e não ordinária.
A LINDB, ao exigir erro grosseiro ou dolo para responsabilização pessoal, tem por objetivo afastar o risco de punições injustas por simples equívocos administrativos, especialmente em contextos de ambiguidade normativa, escassez de recursos, pressões institucionais ou deficiências estruturais. Trata-se, como você apontou, de um paradigma mais protetivo, voltado à racionalização do controle e à promoção da segurança jurídica.
Nesse sentido, atribuir erro grosseiro a qualquer falha detectável por um agente mediano ou levemente desatento subverte esse avanço legislativo, revivendo práticas de responsabilização automática que a nova LINDB visa justamente superar.
Nesse sentido dispõe o Acórdão 1.214/2020 do TCU
– Plenário, que adota interpretação compatível com o art. 28 da LINDB:
“A
responsabilização de agente público depende da demonstração de dolo ou erro grosseiro,
de modo que não se deve imputar responsabilidade por simples erro ou equívoco
administrativo.”
Além disso, a Advocacia-Geral da União (AGU) já se manifestou no sentido de que o erro grosseiro deve ser “manifesto, evidente, e notoriamente contrário ao direito, em termos que não podem ser justificados pela complexidade ou pela dificuldade interpretativa”.
Se o TCU (ou outro órgão) tratar qualquer desvio do padrão médio como "erro grosseiro", estará neutralizando o efeito protetivo da Lei 13.655/2018. A intenção do legislador foi justamente exigir um grau mais elevado de reprovabilidade (como negligência extrema ou imprudência flagrante) para configurar responsabilidade.