A fim de resguardar
seus direitos ou interesses – seja impugnando um edital, interpondo um recurso
ou formulando qualquer pleito perante a Administração Pública –, é imprescindível que o particular
fundamente o seu pedido de forma contundente.
A legislação referente
ao pregão, por exemplo, exige que até mesmo a manifestação da intenção de
recurso se dê de forma motivada (fundamentada).
E, muito embora a
Lei nº 8.666/93 (art. 109) não faça menção expressa à necessidade de se
fundamentar o recurso, essa é a conclusão que se extrai dos princípios de
Direito Administrativo.
A propósito, a doutrina
especializada é no sentido de que um recurso que não aponta vícios, equívocos
ou divergências na decisão recorrida não deve ser conhecido.
Assim, além de
narrar os fatos com clareza, o particular deve indicar o vício da decisão
atacada, correlacionando-a com a norma legal ou editalícia infringida, sendo certo
afirmar, também, que o licitante ou contratado não está obrigado a citar ou
transcrever doutrina e jurisprudência em suas peças.
Porém, na prática, o
êxito de qualquer pedido em face da
Administração depende, em especial, da adequada fundamentação jurídica
(indicação dos dispositivos legais aplicáveis/violados, citações doutrinárias e
orientações jurisprudenciais), tendo em vista a arbitrariedade e as praxes reprováveis de alguns órgãos ou entes
públicos.
A
Administração Pública demonstra bastante criatividade ao elaborar
“entendimentos” sobre os dispositivos da legislação. São bastante comuns as
interpretações forçadas, infundadas ou alicerçadas em teses inaceitáveis,
destinadas a burlar a lei, seja para atingir finalidades estranhas ao
procedimento licitatório ou para dissimular a desídia ou inércia
administrativa.
E as
“justificativas” sempre recaem sobre uma suposta defesa do “interesse público”. Mas, em geral, fica evidente
que tais práticas visam à defesa dos “interesses ou conveniências do administrador público”.
Também
são comuns as alegações no sentido de que a Administração não pode “perder” um
processo de licitação ou “demorar” para concluí-lo.
Entretanto,
tais argumentos apenas comprovam o óbvio – a Administração Pública, na maioria
das vezes, não planeja adequadamente seus processos de contratações públicas.
Afinal,
quem pode afirmar que a ausência ou insuficiência de planejamento não é, ao
menos em alguns casos, proposital?
Todas
essas estratégias viciadas são utilizadas para refutar pleitos legítimos dos
particulares e fazer prevalecer toda ordem de abusos e caprichos.
Não
obstante, cabe frisar, neste ponto, que não
se deve generalizar. Em qualquer área de atuação humana, no âmbito da
Administração Pública ou na iniciativa privada, sempre haverá, de um lado, os
que pautam sua conduta pelos princípios e valores mais caros para a sociedade,
e, de outro, aqueles que merecem todas as críticas.
E há
que se ponderar, ainda, que, a despeito das críticas generalizadas feitas por
alguns, muitos servidores não passam de vítimas do sistema. São literalmente usados
como peões num massacrante e interminável jogo de xadrez.
É que
alguns órgãos criam trâmites e todo tipo de estratagema para “blindar” as “autoridades superiores” e
transferir as responsabilidades e riscos para os que ficam na “linha de
frente”, especialmente para aqueles que não gozam de estabilidade.
Mas,
algumas vezes, o feitiço vira contra o feiticeiro:
“Representação de equipe de fiscalização. Ilegalidades em
contratações. Audiência. Dispensa indevida de licitação. Liquidação e pagamento
irregular. Falhas em termo de referência. Falhas na aferição dos serviços
prestados. Falhas na fiscalização da execução. Procedência. Rejeição das razões
de justificativa. Multa.
(...)
17. No
geral, a ex-gestora procurou transferir, indevidamente, a responsabilidade de
atos que eram da sua competência para subordinados, olvidando-se do cumprimento
do seu dever de supervisão. Esta responsabilização, em decorrência da culpa in
vigilando encontra guarida na jurisprudência do Tribunal, a exemplo dos
Acórdãos 137/2010-Plenário e 2807/2010-Plenário.
18.
Considerando a omissão na aprovação
do termo de referência e na apreciação de recurso no
processo do Pregão Eletrônico nº 05/2008, restou caracterizada a
responsabilização da ex-gestora por negligência, conclusão que também encontra
guarida na jurisprudência do TCU, no mesmo Acórdão 137/2010-Plenário.
VOTO
(...)
O art. 9º,
incisos I e II, do Decreto 5.450/2005, estabelece que
o termo de referência deve 1) ser elaborado, na fase
preparatória do pregão eletrônico, pelo órgão requisitante; 2) indicar o objeto
de forma precisa, suficiente e clara; e 3) ser aprovado pela autoridade
competente. No entanto, nada disso foi providenciado pela então Administradora
Executiva Regional.
(...)
ACORDAM os
Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante
as razões expostas pelo relator, em:
9.1. nos
termos dos arts. 237, inciso V, e 246 do Regimento Interno do TCU, conhecer da
presente representação, para, no mérito, considerá-la procedente;
9.2.
rejeitar as razões de justificativas apresentadas pelos Srs. (...);
9.3. com
fulcro no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/92, aplicar individualmente aos Srs.
(...) multa no valor de R$ 3.000,00;
9.4. com
fulcro no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/92, aplicar individualmente aos Srs.
(...) multa no valor de R$ 2.000,00; (...)” (TCU – Acórdão nº
2.334/2011 - Plenário)
De
qualquer forma, os reprováveis expedientes utilizados por alguns órgãos ou
entes públicos são os mais variados.
Quem nunca se deparou
com editais que contrariam a lei ou com julgamentos proferidos em desconformidade
com as normas legais e com as cláusulas editalícias? E o que dizer da aplicação
de penalidades (sanções) sem a observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa?
A
impugnação de um edital, a interposição de recurso administrativo, a representação
ao Tribunal de Contas competente e a impetração de ações judiciais são medidas
legítimas para resguardar direitos eventualmente violados.
O
particular não deve quedar-se inerte. Até porque, muitas das decisões
administrativas pautam-se numa espécie de “análise
de risco”, fundada em suposições ou expectativas do próprio órgão: a) o eventual
despreparo da licitante proponente; b) o custo financeiro que essa licitante
teria de suportar em função da adoção de determinadas medidas administrativas
ou judiciais; c) o receio da licitante proponente em relação a possíveis
represálias.
As irregularidades são muitas: exigências habilitatórias incompatíveis com
o objeto da licitação ou destinadas a favorecer ou afastar determinada
licitante; exigências editalícias destituídas de finalidade; negativas de
acesso ao processo licitatório; julgamentos subjetivos, carentes de motivação
ou tendenciosos; desclassificação de propostas em razão de meras falhas formais
sanáveis; retenções de pagamentos ante a ausência de comprovação de
regularidade fiscal; exigências de execução de serviços inicialmente não
previstos, sem termo aditivo que assegure os respectivos pagamentos; não
liberação de “frente de trabalho” ou não autorização para o início dos serviços;
determinações verbais dirigidas ao particular contratado (sem a devida
formalização); aplicação de penalidades desproporcionais às faltas cometidas pelas
empresas contratadas etc.
É
sabido, por exemplo, que a Administração Pública deve anular a licitação, por
provocação de terceiros ou por ato próprio, mediante parecer escrito e
devidamente fundamentado, quando constatado algum vício insanável no edital ou
no procedimento. E que, de outro lado, a Administração poderá revogar a
licitação por razões de interesse público superveniente devidamente comprovado,
pertinente e suficiente para justificar tal conduta.
Ou
seja, o desfazimento somente será lícito: a) se inequivocamente demonstrado o
vício insanável que imponha a
anulação, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado; b) em razão de
interesse público superveniente,
devidamente comprovado, e que se
mostre pertinente e suficiente para fundamentar a
revogação.
Pois
bem, a mera insatisfação da Administração com o resultado da licitação não
autoriza o desfazimento (mediante anulação ou revogação) do procedimento.
Assim, importa verificar se a licitação está sendo anulada ou revogada, por
exemplo, em razão da inabilitação da empresa que o órgão ou entidade gostaria
de contratar, ou do êxito de empresa diversa da “escolhida”, mediante a
utilização de justificativas insuficientes ou impróprias para tanto. Sendo esse
o caso, restará caracterizada a ilegalidade do desfazimento.
Da
mesma forma, o alijamento indevido de licitantes fere frontalmente os
princípios que norteiam a atividade administrativa e, diga-se de passagem, pode
ensejar a responsabilização do
agente que agiu em desconformidade com a lei.
Enfim,
esses são apenas alguns exemplos que demonstram a importância de se fundamentar
adequadamente as reivindicações dirigidas à Administração Pública.
Certamente,
um recurso administrativo ou impugnação contendo apenas argumentos ou considerações
da própria licitante não produz os mesmos efeitos que uma peça fundamentada em
decisões do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas sobre casos semelhantes e
em obras de autores renomados no assunto.
Esses
elementos possibilitam demonstrar o valor e a credibilidade das alegações do
particular, que o ato impugnado contraria a lei, que esse ato é passível de
revisão ou anulação nas vias administrativas ou judiciais, bem como “alertar” o
órgão ou ente público para a possibilidade de responsabilização perante o
Tribunal de Contas competente.
Destarte, uma
fundamentação consistente, respaldada em decisões de casos semelhantes,
proferidas pelo Poder Judiciário e pelos Tribunais de Contas, bem como nas
lições de autores renomados que se amoldam ao caso concreto, confere eficácia
aos argumentos apresentados pelo particular (licitante ou contratado) e cria
expectativas legitimas de direito para o mesmo.
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