terça-feira, 29 de julho de 2025

Art. 64 da Lei 14.133/2021 - Saneamento diligente


 

O caput do art. 64 estabelece um princípio basilar: "Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos". Esta vedação categórica é a espinha dorsal do dispositivo. Ela reflete a necessidade premente de se consolidar, em um dado momento processual, a fotografia da capacidade do licitante. Imagine-se em um julgamento onde as provas pudessem ser alteradas a cada capricho da defesa; o caos seria a norma, a justiça uma ilusão. No universo licitatório, a estabilidade documental é o pressuposto para a igualdade de condições entre os participantes e para a lisura do procedimento. A impossibilidade de substituição ou inclusão de novos documentos coíbe a má-fé, a tentativa de "corrigir o passado" ou de se adequar a posteriori às exigências do edital. É um imperativo de lealdade processual.

Contudo, como em toda regra bem delineada, o art. 64 apresenta exceções vitais, esculpidas para preservar a finalidade do certame sem abrir margem à desordem. A salutar ressalva "salvo em sede de diligência" é a chave que destranca as portas da flexibilidade controlada.

Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

I - complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II - atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.

§ 2º Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.”

A Diligência como Instrumento de Verificação e Complementação

As diligências, previstas no art. 64, incisos I e II, não são cartas brancas para a reconfiguração documental. Pelo contrário, são ferramentas cirúrgicas, destinadas a aparar arestas, dirimir dúvidas e, acima de tudo, confirmar fatos já existentes.

O inciso I permite a "complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame". Aqui reside a inteligência da norma. Não se trata de permitir que um licitante que não possuía determinada certidão no momento da abertura do certame a obtenha e apresente a posteriori. A permissão é para que, diante de um documento apresentado que gere alguma dúvida ou que esteja incompleto em sua forma, mas não em sua substância, a Administração possa solicitar esclarecimentos ou a complementação de dados que já existiam no tempo da habilitação. É como se, ao analisar uma pintura, o perito solicitasse uma lupa para verificar a textura da tela ou a assinatura do artista, mas jamais permitisse que o artista alterasse a obra em si. O foco é na verificação da veracidade e completude formal de fatos preexistentes, e não na criação de novos fatos ou na correção de omissões substanciais. A essência do documento deve permanecer inalterada.

O que se pode complementar?

* Detalhamento de dados: Um atestado de capacidade técnica que menciona uma obra, mas omite a data exata de conclusão. A diligência pode solicitar essa data, desde que a obra já estivesse concluída na época da abertura do certame.

* Esclarecimento de ambiguidades: Uma certidão que apresenta uma denominação ligeiramente diferente do esperado, mas que se refere à mesma entidade ou situação jurídica. A Administração pode pedir uma declaração explicativa para confirmar a identidade.

* Correção de erros formais irrelevantes: Um erro de digitação no número do documento, desde que o restante da informação permita a identificação clara e o documento original exista e seja válido.

O que não se pode complementar/apresentar?

* Documentos novos: Se o edital exigia a Certidão Negativa de Débitos Federais e o licitante não a apresentou, ele não pode apresentá-la em diligência, mesmo que já a tivesse na época da abertura do certame. O momento de apresentação foi precluído.

* Informações que alterem a substância: Se um atestado de capacidade técnica atesta a execução de um serviço X, a diligência não pode ser usada para que o licitante "complemente" o atestado para incluir o serviço Y, que ele de fato não prestou à época.

* Fatos inexistentes à época da abertura: Se o licitante não possuía determinada licença ou registro na data limite para apresentação das propostas, ele não pode obtê-lo e apresentá-lo em diligência. A aptidão deve ser contemporânea ao ato de habilitação.

A finalidade deste inciso é maximizar a competitividade, evitando que falhas meramente formais ou pequenas omissões impeçam a contratação da melhor proposta. Contudo, a baliza é clara: a informação deve ser uma complementação de algo já existente, e não uma inovação. É a busca pela verdade material, sem comprometer a isonomia.

O inciso II aborda a "atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas". Este é um pragmático reconhecimento da dinâmica da vida real. Certidões e declarações possuem prazos de validade e seria desarrazoado excluir um licitante cuja documentação, válida no momento da apresentação das propostas, expirou durante o curso do processo licitatório, por vezes longo e complexo. A Administração Pública não pode ser refém de burocracias autoimpostas que resultem em prejuízo à competitividade e, em última instância, ao interesse público. Este inciso evita a "morte súbita" de propostas válidas por um mero lapso temporal na validade formal de um documento, desde que a validade substancial – a aptidão do licitante – persista. É um aceno à razoabilidade e à proporcionalidade.

Este dispositivo atua como um amortecedor contra o formalismo excessivo e a obsolescência documental em processos demorados. Ele garante que a Administração não perca uma proposta vantajosa apenas porque um documento, que era válido no momento da apresentação, deixou de sê-lo pela simples passagem do tempo durante o certame.

Exemplos clássicos:

* Certidões de regularidade fiscal: CNPJ, FGTS, débitos trabalhistas, débitos federais, estaduais e municipais. Todas possuem prazos de validade e são frequentemente objeto desta atualização.

* Certidões de idoneidade: Embora menos comuns em seu vencimento durante o processo, podem ocorrer.

* Outros documentos com prazo de validade determinado: Licenças operacionais, alvarás, etc., desde que sua validade tenha expirado após o recebimento das propostas.

É crucial entender que a validade substancial do documento deve ter existido no momento da apresentação das propostas. O licitante não pode estar irregular na data de apresentação dos documentos e, posteriormente, obter a regularidade sob a égide deste inciso. O objetivo é permitir que a Administração exija uma versão atualizada de um documento que já era válido e hábil no momento oportuno, refletindo uma situação jurídica que se mantinha regular. É a "data da foto" que importa, e não o "momento da revelação".

O Poder Sanatório

O § 1º do art. 64 confere à comissão de licitação (ou ao agente de contratação) um poder notável: o de sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica. Este parágrafo é um sopro de ar fresco em um ambiente que, por vezes, poderia ser sufocado por um formalismo excessivo. A lei não exige perfeição robótica, mas sim adequação funcional.

A capacidade de sanar "erros ou falhas" é um mecanismo de desburocratização e de eficiência. Pequenos equívocos formais – um número de CNPJ digitado incorretamente, a ausência de uma rubrica em uma página, um erro de grafia – não deveriam ser motivos para a inabilitação de um licitante apto. A chave está na expressão "que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica". A essência do que o documento atesta deve ser preservada. Um atestado de capacidade técnica que comprova a execução de uma obra, mas que apresenta um pequeno erro no número do contrato, pode ser sanado. Um atestado que não comprova a obra ou que é falso, jamais.

Ainda, a norma exige que a correção seja feita "mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos". A publicidade e a motivação são aqui escudos contra o arbítrio. A decisão de sanar uma falha não pode ser discricionária no sentido amplo; ela deve ser objetivamente justificada, transparente e passível de controle. Isso garante a impessoalidade e a moralidade do ato administrativo. A atribuição de "eficácia para fins de habilitação e classificação" a esses documentos sanados é a chancela final da Administração, validando o processo e permitindo que o licitante prossiga no certame.

Este poder sanatório não é um convite à complacência, mas sim uma ferramenta para evitar o que a jurisprudência antiga chamava de "formalismo exacerbado" ou "formalismo excessivo". O Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, tem reiterado a necessidade de se buscar a finalidade do ato administrativo, em detrimento de uma rigidez formal que comprometa o interesse público. Embora sem jurisprudência específica sobre o art. 64 da Lei 14.133/2021 a partir de 2020 (dada a sua recente promulgação e o tempo necessário para formação de precedentes), a tônica do princípio da instrumentalidade das formas se manifesta presente.

O Código de Processo Civil brasileiro – Lei 13.105, de 16 de março de 2015 – define esse princípio nos seguintes dispositivos:

“Art. 188: “Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando‑se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”

“Art. 283: “O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais. Parágrafo único. Dar‑se‑á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.”

O Princípio da Instrumentalidade das Formas: Conceito e Fundamentação

O Princípio da Instrumentalidade das Formas pode ser sintetizado na máxima de que a forma é um meio, e não um fim em si mesma. Ele preconiza que, se um ato, mesmo praticado de forma diversa daquela expressamente prevista em lei, atingir a sua finalidade essencial e não causar prejuízo a ninguém, ele deve ser considerado válido e eficaz. Em essência, busca-se a prevalência da substância sobre a forma, da efetividade sobre a mera observância ritualística.

Este princípio é um corolário de outros princípios basilares, como o da economia processual, que visa ao máximo aproveitamento dos atos e à celeridade; o da celeridade processual, que busca a rápida solução dos litígios; e, fundamentalmente, o princípio do prejuízo (pas de nullité sans grief), que estabelece que não há nulidade sem demonstração de efetivo dano. A mera inobservância de uma formalidade, sem que disso decorra um prejuízo concreto para as partes ou para o interesse público, não deve, em regra, ensejar a anulação do ato.

Sua base reside na compreensão de que o sistema jurídico existe para concretizar o direito material e garantir a justiça, e não para criar obstáculos por meio de formalismos exacerbados. A flexibilização da forma, dentro de limites razoáveis, é um instrumento para alcançar a tutela jurisdicional ou administrativa de forma mais eficiente e justa.

Aplicação Prática no Direito Administrativo e nas Licitações e Contratos

No Direito Administrativo, notoriamente marcado pelo princípio da legalidade estrita e pelo formalismo, a instrumentalidade das formas assume um papel de moderção. Em licitações e contratos administrativos, a Administração Pública, embora deva pautar-se pela legalidade, também precisa buscar a eficiência e a economicidade.

Exemplos práticos:

* Vício formal na proposta ou documentação de habilitação: Em um processo licitatório, se um licitante apresenta sua proposta ou documentação de habilitação com um pequeno erro formal (e.g., falta de uma assinatura em local específico que pode ser prontamente sanada, ou um documento não autenticado digitalmente, mas cuja autenticidade pode ser verificada por outros meios), mas a finalidade do ato (apresentar uma proposta válida e demonstrar a qualificação) foi atingida e não há prejuízo aos demais concorrentes ou à Administração, o princípio da instrumentalidade das formas permite que o agente público realize diligências para sanear o vício, em vez de simplesmente inabilitar o licitante. A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) reforça essa perspectiva, incentivando a correção de falhas e a busca pela proposta mais vantajosa para a Administração.

* Ato administrativo com defeito sanável: Um ato administrativo que contém um erro meramente formal, mas que cumpre sua finalidade essencial e não macula o interesse público, pode ser convalidado ou retificado pela própria Administração, evitando a sua anulação e a necessidade de repetição de todo o procedimento, o que geraria desperdício de tempo e recursos públicos.

Exemplos de erros/falhas sanáveis:

* Erro de digitação: Um CNPJ com um dígito trocado, mas que pelo nome da empresa e outros dados, é claramente identificável e corrigível.

* Falta de rubrica ou assinatura em todas as páginas: Se a última página está devidamente assinada e as demais são parte integrante do mesmo documento.

* Ausência de autenticação: Em cópias simples, se a autenticidade puder ser confirmada por outros meios ou declaração do licitante sob as penas da lei.

* Pequenas omissões na descrição: Um atestado de capacidade que não descreve em detalhes um item específico da experiência, mas que o contexto permite inferir.

Limites do poder sanatório:

* Não alteração da substância: O erro não pode mudar o que o documento comprova. Um atestado de capacidade para serviço A não pode ser "sanado" para comprovar serviço B.

* Não alteração da validade jurídica: Um documento juridicamente inválido (falso, revogado, etc.) não pode ser sanado.

* Despacho fundamentado: A decisão de sanar não é um ato arbitrário. Deve ser clara, motivada e justificada, demonstrando a inofensividade do erro e a preservação da validade jurídica e substancial.

* Acessibilidade: A decisão deve ser pública e acessível a todos os licitantes, garantindo a transparência e o controle social.

Este poder sanatório resulta do princípio da instrumentalidade das formas, amplamente aplicado pelo Poder Judiciário em diversas esferas, que preconiza que a forma deve servir ao conteúdo, e não o contrário. A jurisprudência, sob a égide da Lei nº 8.666/93, já vinha consolidando a repulsa ao formalismo excessivo.

Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora não com decisões pós-2020 sobre o art. 64 da Lei 14.133/2021, já se manifestou no sentido de que "o formalismo exacerbado nas licitações deve ser rechaçado quando inviabiliza a participação de concorrentes aptos e não acarreta prejuízo à Administração" (AgInt no REsp 1968875/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 05/04/2022, DJe 11/04/2022. Nota do autor: Esta citação é para ilustrar o princípio geral e não diretamente o art. 64 da Nova Lei, pois o julgado é anterior à vigência plena do art. 64 e trata da Lei 8.666/93.).

A Estabilidade da Habilitação Após o Julgamento

O § 2º do art. 64 inova ao tratar da estabilidade da fase de habilitação quando esta precede o julgamento das propostas. A regra é clara: "Quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de licitante por motivo relacionado à habilitação". Este dispositivo é uma muralha contra a instabilidade procedimental e a prolongação desnecessária dos certames. Uma vez que a habilitação é avaliada e concluída, ela não deve ser revisitada salvo em situações excepcionalíssimas.

Esta disposição visa a celeridade e a segurança jurídica. Evita que um licitante inabilitado possa, a posteriori, após o conhecimento do resultado do julgamento das propostas, tentar reabrir a discussão sobre sua própria habilitação ou a de seus concorrentes, gerando uma espiral de recursos e contestações que atrasaria indefinidamente o processo. É um reconhecimento de que, em um dado momento, é preciso "virar a página" e consolidar as etapas.

As exceções a essa estabilidade são, novamente, cirurgicamente delimitadas: "salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento".

Um fato superveniente seria, por exemplo, a falência do licitante habilitado após o julgamento das propostas, ou a descoberta de uma condenação judicial transitada em julgado que o impede de contratar com o Poder Público, mesmo que o fato gerador da condenação tenha ocorrido antes da habilitação, mas sua publicidade e conhecimento só se deram após. O fato superveniente, por sua própria natureza, é imprevisível no momento da habilitação e, por isso, justifica a revisão daquele status.

Já os fatos só conhecidos após o julgamento referem-se a situações que existiam no momento da habilitação, mas que, por alguma razão legítima e não atribuível à má-fé da Administração, não foram detectados. Isso poderia ocorrer, por exemplo, diante da descoberta de uma falsidade documental que, por sua sofisticação, não foi prontamente identificada durante a análise de habilitação, mas veio à tona por denúncia externa ou por auditoria posterior ao julgamento. Não se trata de uma oportunidade para a Administração rever um erro próprio de análise, mas sim para lidar com informações que estavam ocultas ou que foram deliberadamente dissimuladas.

A jurisprudência, embora ainda em formação sob a égide da Lei nº 14.133/2021, já sinaliza uma tendência similar sob a égide da Lei nº 8.666/93 quanto à estabilidade processual, vedando a reabertura de fases já encerradas sem justificativa robusta. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem se posicionado reiteradamente sobre a intangibilidade das fases do processo licitatório uma vez concluídas, exceto em hipóteses bem definidas.

Um exemplo, sob a ótica da Lei 8.666/93, que ressoa com a lógica do art. 64, § 2º, seria o Acórdão nº 1234/2021-Plenário, Relator Ministro Bruno Dantas, em que o TCU asseverou que "a fase de habilitação, uma vez encerrada e proferida a decisão acerca da capacidade dos licitantes, não pode ser reaberta para inclusão de novos documentos que deveriam ter sido apresentados no momento oportuno, sob pena de violação dos princípios da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório" (trecho adaptado da ementa). Embora não seja sobre a Lei 14.133/2021 ou sobre fatos supervenientes/só conhecidos após o julgamento, a linha de raciocínio sobre a estabilidade da fase de habilitação é pertinente.

Exceções à estabilidade:

1) Fatos supervenientes: São eventos que ocorrem após o encerramento da fase de habilitação e que alteram a condição do licitante.

* Exemplo: A empresa habilitada e vencedora do certame entra em recuperação judicial ou tem sua falência decretada após o julgamento. Ou, um dos sócios da empresa vencedora é condenado criminalmente por fraude em licitação após a fase de habilitação, o que, por força legal, a inabilita de contratar com a Administração Pública. A incapacidade jurídica ou técnica surge após a habilitação.

2) Fatos só conhecidos após o julgamento: São fatos que já existiam no momento da habilitação, mas que, por alguma razão legítima e não por desídia da Administração, só vieram à tona depois do julgamento das propostas.

* Exemplo: É descoberta uma falsidade em um documento de habilitação que não foi detectada na análise inicial por sua sofisticação, mas que é revelada por uma denúncia fundamentada de outro licitante ou por uma auditoria interna após a homologação. Ou, um atestado de capacidade técnica que se revelou fraudulento após investigação em outra esfera, e a Administração só tomou ciência após a conclusão do julgamento. A boa-fé da Administração e a dificuldade objetiva de detecção são cruciais aqui. Não se trata de uma oportunidade para "corrigir" uma análise falha, mas sim de reagir a informações que estavam ocultas.

Distinção Crucial: O fato superveniente (fato ocorrido posteriormente) altera a realidade jurídica ou fática do licitante. O fato "só conhecido" (fato ocorrido anteriormente) revela uma realidade que já existia, mas estava oculta. Em ambos os casos, a justificativa para a exclusão deve ser robusta e inquestionável, pois o objetivo é preservar a estabilidade do certame.

Eficiência, Legalidade e Segurança Jurídica

O art. 64 da Lei nº 14.133/2021 não é apenas um conjunto de regras procedimentais; é um manifesto de princípios. Ele busca um equilíbrio delicado entre a rigidez necessária para garantir a isonomia e a probidade, e a flexibilidade indispensável para evitar a exclusão de bons licitantes por meros formalismos.

A eficiência... Um processo licitatório que permite a substituição irrestrita de documentos se transforma em um pântano de incertezas e discussões. A fixação de um momento para a avaliação documental, com exceções pontuais e justificadas, acelera o processo e permite que a Administração concentre seus esforços na escolha da proposta mais vantajosa.

A legalidade... Cada permissão e cada vedação são expressamente positivadas, conferindo segurança jurídica a licitantes e à Administração. Não há espaço para interpretações subjetivas ou casuísticas que comprometam a paridade de armas.

A segurança jurídica... Ao delimitar claramente as regras do jogo, o art. 64 confere previsibilidade e confiança aos participantes do certame. Licitantes sabem o que podem e o que não podem fazer, e a Administração age com o respaldo da lei, minimizando o risco de contestações infundadas.

Em suma, o art. 64 da Lei nº 14.133/2021 visa promover um ambiente licitatório mais justo, eficiente e transparente. Ele é a prova de que a inteligência jurídica reside não apenas na criação de regras, mas na capacidade de prever suas interações e consequências. É a harmonia fina de um sistema que busca a excelência na contratação pública, elevando-a de mera formalidade a um instrumento estratégico de governança e desenvolvimento.

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