Na vasta e complexa estrutura da administração pública, a licitação emerge como um pilar fundamental para a gestão eficiente e transparente dos recursos estatais. No entanto, sua execução, especialmente na modalidade de pregão eletrônico, não está imune a falhas. Compreender os equívocos mais comuns cometidos pela própria Administração Pública não é apenas uma questão de conformidade legal, mas uma etapa crucial para o aperfeiçoamento dos processos, a garantia da competitividade e, em última análise, a proteção do interesse público.
1. Falhas na Elaboração do Termo de Referência ou Projeto Básico
O ponto de partida
de qualquer licitação é o Termo de
Referência ou o Projeto Básico,
documentos que descrevem o objeto, suas especificações, as obrigações da
contratada e os critérios de aceitação. O erro mais comum aqui é a ausência de
um estudo técnico preliminar adequado, resultando em especificações genéricas,
excessivamente restritivas ou, paradoxalmente, insuficientes. Um exemplo
clássico é a compra de equipamentos de informática onde se exige uma marca específica,
violando o princípio da competitividade, ou a contratação de uma obra sem a
devida sondagem do solo, levando a aditivos contratuais e atrasos.
2. Estimativa de Preços Inadequada
A Administração
Pública tem a obrigação de realizar uma pesquisa de preços para estimar o valor
de mercado do objeto licitado. No entanto, muitas vezes essa pesquisa é
superficial, utilizando apenas uma fonte de referência ou valores
desatualizados. Isso pode levar a um preço
de referência superfaturado, gerando prejuízo ao erário, ou a um preço subestimado, o que afasta
empresas competitivas e pode resultar em uma licitação fracassada ou em um
contrato com execução precária. A Administração não pode se pautar apenas nas “3
propostas obtidas junto ao mercado”!!! Ao elaborar o seu orçamento, o órgão
público deve pesquisar fontes oficiais de preços (CUB, SINAPI etc.), painéis ou
bancos de preços, tabelas de preços referenciais e contratos anteriores
celebrados pelo órgão responsável pela licitação e por órgãos diversos, por
exemplo. É verdade que dá trabalho. Mas quem foge do trabalho, contrata mal.
3. Formalismo
Exacerbado na Inabilitação
Inabilitar
licitantes por desvios formais que poderiam ser regularizados, sem oportunizar
diligências, distorce a equidade do certame. O TCU, no Acórdão nº 98/2024,
relatado no Plenário, condenou o formalismo imoderado no Pregão Eletrônico
23/0076 (Sesc/AR/MT). O tribunal apontou irregularidades ao desclassificar
a empresa sem permitir a sanabilidade de falhas que não afetavam
substancialmente a proposta — "promoveu a desclassificação […] sem antes
realizar diligências para esclarecer situação preexistente”.
4. Ausência
de Fundamentação Legal na Inabilitação
Inabilitar uma
empresa sem citar o dispositivo legal motivador é ofensa direta ao princípio da
motivação administrativa. No Acórdão nº 3595/2024, o TCU determinou a
anulação da inabilitação arbitrária no Pregão Eletrônico 2/2023 (IFPE)
porque o edital não apresentou fundamentação legal válida, ferindo o art. 50,
§ 1º, da Lei 9.784/1999, e o princípio do julgamento objetivo previsto no
art. 3º da Lei 8.666/1993.
5. Desclassificação
Sem Critérios Objetivos
Eliminar licitantes
por inexequibilidade ou falta de parâmetros objetivos, sem respaldo claro no
edital, atenta contra princípios basilares como transparência e isonomia. No Acórdão
nº 2.030/2024 (TCU-Plenário), foi identificada a “inabilitação de licitante
por desatendimento de critérios não previstos no edital” e “desclassificação
sumária […] em razão da suposta inexequibilidade” — infrações ao art. 16, II,
do Regulamento do SESC e à Súmula 262 do TCU.
6. Erros
Grosseiros na Avaliação da Documentação
Erro grosseiro na
análise documental pode colocar em risco a competitividade do certame e a
escolha da proposta mais vantajosa. O TCE‑MG, com base no art. 41 da Lei
8.666/1993 (vinculação ao edital) e no art. 28 da Lei 13.655/2018
(responsabilidade por erro grosseiro), multou a pregoeira responsável por
inabilitar uma empresa que comprovou ter apresentado certidão obrigatória, mas
foi ignorada — configurando prejuízo à competitividade
7. Submissão
de Documentos Preexistentes Sem Oportunidade de Saneamento
Exigir documentos
como balanço sem permitir sua juntada após sessão, quando já preexistentes,
fere o princípio da competitividade e a lógica da fase de habilitação. No Acórdão
nº 610/2025 (TCU-Plenário), foi identificado que a inabilitação de empresa
(RCS Tecnologia S.A.) por não apresentação de balanço de 2023 – passível de
juntada – violou o art. 64 da Lei 14.133/2021
8. Inexequibilidade Declarada Sem
Diligência Prévia
Outra
falha grave: desclassificar proposta rotulada como inexequível sem oportunizar
que a empresa demonstre sua viabilidade. No Acórdão 7477/2024
– Segunda Câmara, relatado pelo ministro‑substituto Marcos
Bemquerer, o tribunal reconheceu que tal conduta configura erro grosseiro, infringindo o art. 28 do Decreto‑Lei 4.657/1942
(Lindb)
9.
Aceitação de Atestados
Técnicos Com Comprovação Insuficiente
A
aceitação de atestados técnicos com critérios incompatíveis com o objeto da
licitação é outro erro recorrente. O Informativo
de Jurisprudência nº 42 do TCU relatou um caso do Instituto
Evandro Chagas, no qual foram aceitos atestados que não correspondiam às exigências
do edital, colocando em risco a execução do serviço contratado
10.
Limitações à Competitividade por Exigências Desnecessárias
Impor
exigências como pós-graduação ou vínculo direto, quando não há justificativa,
restringe significativamente a competitividade. No Acórdão 2371/2024
– Plenário, referente ao Pregão Eletrônico 17/2023 do Hospital
Federal dos Servidores do Estado, foi apontada a ausência de justificativa
clara para exigir engenheiro biomédico com pós‑graduação e vínculo
empregatício, ferindo os princípios da isonomia e eficiência
11.
Inabilitação Baseada em Inidoneidade Não Transitada em Julgado
Inabilitar
empresa com base em deliberação de inidoneidade que ainda não transitou em
julgado pode violar o princípio da proposta mais vantajosa. No Acórdão 763/2025 – Plenário, o TCU entendeu que a
simples menção a inidoneidade, sem trânsito em julgado comprovado, pode ferir o
art. 14, inciso I, da Lei 14.133/2021 (princípio da proposta mais vantajosa)
12. Desconsideração de Recursos Administrativos
O recurso administrativo é um instrumento vital para o controle da
legalidade. A Administração Pública, por vezes, ignora ou subestima o mérito de
um recurso, rejeitando-o com base em argumentos frágeis ou genéricos. A falta
de uma análise aprofundada e fundamentada do recurso pode levar à anulação do
certame pelo Judiciário ou pelos órgãos de controle, gerando instabilidade e
custos adicionais.
É importante ressaltar que em todas essas situações, e em outras porventura aqui não citadas, o agente que tenha atuado de forma ineficiente sujeita-se ao crivo dos órgãos de controle e à responsabilização pela prática do ato irregular.